Águas brasileiras
Conhecendo — e protegendo — os tubarões mais perigosos do Brasil
Os tubarões desempenham uma função ecológica primordial nos ecossistemas marítimos e oceânicos
Conhecendo — e protegendo — os tubarões mais perigosos do Brasil
Quando se diz que o Brasil é um país rico em biodiversidade, normalmente as pessoas se referem às florestas sobre a superfície, mas a afirmação também vale para a vida marítima, especialmente quando se considera que o país tem uma costa litorânea de mais de 7.000 km de extensão, banhada pelas águas temperadas do Atlântico Sul. Ao longo de todo esse litoral, habitam hoje mais de 40 milhões de pessoas, as quais, eventualmente, podem entrar em contato com outros seres que também habitam ou passam pela costa brasileira. Dessas formas de vida, os tubarões certamente estão entre as mais lembradas — e temidas.
Mas, segundo os biólogos Vitória Miranda Soares e Felipe Muraro Balduzzi Carlos, graduados no curso de Ciências Biológicas da Universidade de Sorocaba (Uniso) em 2023, todo esse temor — em grande parte motivado pelo cinema e por notícias sensacionalistas — é infundado e, como tal, precisa ser desmistificado, uma vez que acaba dificultando a preservação de muitas das espécies de tubarões que ainda habitam os mares e oceanos do planeta Terra. Essa foi a motivação que os levou a produzir o “Guia de tubarões com mais interações agonísticas na costa brasileira”, apresentado em 2022, sob a orientação do professor doutor Nobel Penteado de Freitas, também do curso de Ciências Biológicas, como trabalho de conclusão de curso dos então estudantes.
“Ao longo da costa brasileira existem praias, lagoas, manguezais, costões rochosos e ilhas de todos os tamanhos. Todos esses ambientes geográficos contêm ecossistemas ricos em biodiversidade, em que os tubarões estão presentes”, explicam os autores, no guia. “A presença desses animais na costa é causada por fatores ecológicos naturais, como a alimentação e a reprodução, já que algumas das espécies costumam caçar em áreas mais rasas, além de esses ambientes servirem de locais de cópula. Quando os tubarões estão em período de reprodução, aumentam os seus níveis de testosterona, o que pode explicar uma eventual agressividade. Ademais, isso costuma ocorrer durante o verão, justamente a época em que aumenta, também, o número de pessoas no litoral. Tudo isso contribui para aumentar as chances de interações agonísticas (aquelas em que ocorre um embate) entre as duas espécies.”
Uma vez que as áreas litorâneas são bastante povoadas, além de receber muitos dos milhões de turistas internacionais que visitam o Brasil todos os anos, é natural que esses encontros — e, consequentemente, alguns acidentes — sejam frequentes, e é daí que decorre a importância de materiais informativos sobre os ecossistemas aquáticos e costeiros, bem como do acesso à educação ambiental de qualidade, de modo a possibilitar que as pessoas compreendam melhor os ambientes marinhos e o papel do ser humano ao se tornar parte desses ambientes.
Apesar do temor, sabe-se que a carne humana não faz parte do cardápio preferido dos tubarões, que tendem a escolher animais com maior potencial de gordura. Assim, os autores explicam que, quando as mordidas são dirigidas a banhistas, surfistas ou mergulhadores, geralmente isso acontece porque os animais sentem que precisam defender o próprio território, ou porque as pessoas acabam se assemelhando, por acaso, a alguma de suas presas habituais. Jamais porque os tubarões são “monstros” comedores de gente.
“Longe disso; os tubarões desempenham uma função ecológica primordial nos ecossistemas marítimos e oceânicos”, defendem Soares e Carlos. “A predação desenfreada desses animais pode desencadear sua extinção, como já vem acontecendo, e daí pode decorrer um desequilíbrio nas populações de suas presas e, consequentemente, nos ecossistemas como um todo. Preservá-los é fundamental para a saúde dos nossos oceanos.”
Confira, nas próximas páginas, informações sobre as cinco espécies mais significativas quando o assunto é a interação homem—tubarão em águas brasileiras, elencadas de acordo com os respectivos riscos de extinção, bem como diretrizes para evitar acidentes. As ilustrações publicadas como parte desta reportagem, que também integraram o guia, são de autoria do ilustrador Renato Nakazone, também egresso do curso de Ciências Biológicas da Uniso.
Tubarão-tigre (Galeocerdo cuvier)
São tubarões particularmente grandes, podendo chegar a pesar até 1 tonelada e a medir até 6 m de comprimento (ainda que no Brasil a média seja de 3 a 4 m). Levam esse nome pelas manchas transversais de cor escura espalhadas pelo dorso. Podem ser encontrados em todos os oceanos, mas dão preferência para águas rasas, de até 350 m de profundidade, e apresentam comportamento diurno. No Brasil, estão presentes em toda a costa, mas os adultos são mais abundantes nas regiões Norte e Nordeste. Estatisticamente, essa é a espécie mais letal para os seres humanos, uma vez que 32,6% das interações agonísticas envolvendo essa espécie resultam na morte das pessoas envolvidas — o que normalmente acontece pelo fato de o tubarão confundir os seres humanos com suas presas habituais. Algumas partes de seu corpo, especialmente as barbatanas e o fígado, são bastante desejáveis no mercado, o que torna a espécie alvo de pescadores. O tubarão-tigre é considerado “quase ameaçado” (near threatened) segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), o que significa que, apesar de não estar ameaçado de extinção neste momento, pode vir a mudar de categoria num futuro próximo.
Tubarão cabeça-chata (Carcharhinus leucas)
Essa espécie pode atingir 3,5 m de comprimento e pesar até 230 kg. Os indivíduos são encontrados com mais frequência no litoral das regiões Norte e Nordeste, contudo há registros em outras regiões, incluindo o Sudeste e o Sul. Espécimes adultos preferem nadar na faixa entre 25 e 100 m de profundidade, mas também podem ser encontrados em águas mais rasas, especialmente ao redor de estuários, portos e riachos, não só de água salgada, pois, diferentemente de outras espécies de tubarões, o tubarão cabeça-chata pode sobreviver também em água doce — no Brasil, a espécie já foi encontrada na região continental do Rio Amazonas, a mais de 3.000 km do Oceano Atlântico. É uma das três espécies mais envolvidas em interações agonísticas com seres humanos e, nesses casos, os registros apontam que 20% dos acidentes resultam em fatalidades. Isso pode ser explicado pelos habitats ocupados por esse tubarão, mas também pelo fato de essa espécie ter um dos maiores níveis de testosterona registrados entre os tubarões, o que resulta em elevada agressividade. O tubarão cabeça-chata é considerado uma espécie “vulnerável” (vulnerable) segundo a IUCN, o que significa que existe alto risco de extinção da espécie na natureza.
Tubarão-limão (Negaprion brevirostris)
O tubarão-limão costuma passar dos 3 m de comprimento, chegando a até 3,4 m e pesando 180 kg. A espécie é conhecida por esse nome popular devido ao dorso de coloração amarelada. No Brasil, são mais presentes nas ilhas oceânicas das regiões Nordeste, podendo ser encontrados também nas costas da região Norte e, menos frequentemente, ao longo da região Sudeste, até o litoral de São Paulo. Costumam preferir águas rasas e quentes, como aquelas de corais e mangues. Especialmente à noite, costumam espreitar por riachos de água salgada, baías, estuários, cais e docas. Alguns de seus comportamentos característicos são o hábito de permanecer imóvel no fundo do mar por longos períodos, em águas mais profundas, para poupar energia durante o dia, e também a formação de pequenos grupos, seja com indivíduos da mesma espécie ou outros tubarões. Também são considerados “vulneráveis” (vulnerable) pela IUCN.
Tubarão-anequim (Isurus oxyrinchus)
Apesar de poderem atingir até 3 m de comprimento e pesar 500 kg, os tubarões-anequim, também conhecidos como tubarões-mako, são considerados uma espécie de porte pequeno. Podem ser reconhecidos pela coloração azulada metálica, que tende a se tornar mais clara conforme os indivíduos envelhecem, e pelo comportamento bastante ativo. A espécie é considerada a mais rápida dentre os tubarões, havendo inclusive registros de saltos para fora d’água. Estão presentes no mundo inteiro e ao longo de toda a costa brasileira, mas não têm o hábito de se aproximar demais das praias, preferindo os ambientes oceânicos — apesar de haver registros de aproximação durante o verão. Segundo a IUCN, são espécies “em perigo” (endangered), o que significa que há risco bastante elevado de extinção na natureza. Quando a questão é risco, essa é a penúltima categoria (antes da própria extinção na natureza).
Tubarão-mangona (Carcharias taurus)
Costumam medir até 3 m e podem passar dos 230 kg. Dentre os tubarões, a espécie é considerada lenta e calma, apesar de bastante forte. São mais ativos durante à noite e podem ser encontrados mais abundantemente, sozinhos ou em cardumes, nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, onde as águas são mais frias. Preferem nadar na faixa entre 170 e 200 m de profundidade. Durante o período de acasalamento, costumam se reunir em grandes quantidades nas regiões costeiras, o que facilita bastante a sua pesca. A espécie é considerada “criticamente ameaçada” (critically endangered) pela IUCN, o que significa que existe um risco extremamente alto de extinção dessa espécie na natureza. Essa é mais alta categoria de risco antes da extinção na natureza propriamente dita, ou seja, quando só restam indivíduos vivos em cativeiro.
Para saber mais: quem são os tubarões?
Tubarões são peixes de esqueleto cartilaginoso, de vida marinha e oceânica, que existem no planeta Terra há cerca de 400 milhões de anos — a título de comparação, a espécie humana começou a se separar da linha evolutiva dos chimpanzés há meros 6 milhões de anos, o que significa que os tubarões estão por aqui há muito mais tempo do que nós (e talvez ainda continuem depois que nós já tenhamos deixado de existir, se não forem extintos antes disso). Existem centenas de espécies de tubarões registradas em todo o mundo, todas elas apresentando grande capacidade de mobilidade e adaptação aos ecossistemas marinhos. O formato de seus corpos, assim como a disposição de suas nadadeiras e a elevada capacidade sensorial os tornam predadores formidáveis, geralmente posicionados no topo de suas respectivas cadeias alimentares. Apesar de o ser humano não fazer parte dessas cadeias, encontros entre as duas espécies são bastante recorrentes, ainda mais num país como o Brasil, com uma costa tão extensa. Tais encontros nem sempre são amigáveis, naturalmente, mas é certo que os tubarões levam a pior na maior parte dessas interações, sendo vítimas principalmente da pesca desmedida.
Para saber mais: como evitar acidentes relacionados a tubarões
- Ao escolher uma praia para banho, atente-se à ocorrência de sinalização indicando se a área é propícia para ataques de tubarão. Se essa sinalização estiver presente, respeite-a e evite esses locais.
- Evite entrar no mar em dias de chuva ou qualquer outra situação em que haja pouca luminosidade, especialmente à noite, uma vez que a atividade de tubarões tende a aumentar nesse período do dia. Da mesma maneira, evite banhar-se ou mergulhar em águas escuras ou turvas, pois os tubarões tendem a caçar nesse tipo de ambiente em que a visibilidade é limitada, valendo-se de outros dos seus sentidos.
- Evite entrar no mar se você tiver algum ferimento exposto ou se estiver menstruando, uma vez que tubarões são atraídos por fluidos sanguíneos liberados na água, mesmo a longas distâncias. O mesmo vale para outros fluidos corporais, como urina e fezes.
- Evite mergulhar perto de barcos de pesca, estuários ou baías em que haja despejamento de esgoto, pois esses ambientes tendem a atrair tubarões. O mesmo vale para aproximar-se de grandes cardumes, já que a aglomeração de peixes pode ser um indício de que há atividade de caça ocorrendo nas proximidades.
- Ao mergulhar, evite vestir trajes prateados ou brilhantes, ou extremamente coloridos, que podem ser confundidos com escamas de peixes pelos predadores.
- Ao deparar-se com um tubarão no mar, evite se debater ou realizar movimentos bruscos, uma vez que esse tipo de comportamento pode fazer com que um tubarão confunda um ser humano com uma presa em potencial.
- Evite entrar no mar sem companhia, pois, no ato de uma mordida, a falta de socorro imediato pode fazer com que você se afogue, sendo esse o fator que mais leva banhistas à morte após interações agonísticas com tubarões.
- Lembre-se de que o mar é o lar dos tubarões; uma vez lá dentro, o invasor é você.
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