Nelson Fonseca Neto
A origem

As pessoas mais evoluídas, na cama, enquanto esperam o sono chegar, fazem uma espécie de balanço do dia. Contabilizam o que fizeram de bom e de ruim. Pensam amarguradas nas maldades cometidas no calor da hora e prometem andar na linha. Eu bem que tentei fazer isso. Durou pouco: uma noite. Então voltei a ocupar aqueles minutos deliciosos que são a véspera do sono com as minhas abobrinhas.
Antes de capotar eu gosto de imaginar como surgiram algumas coisas que fazem parte do nosso cotidiano. Seria desonesto dizer que penso nas invenções que salvam vidas ou que as tornam mais confortáveis, suportáveis. Eu penso em miudezas mesmo. Seguem algumas delas.
Quarto de motel. Não se esqueçam: a decoração consagrada do quarto de motel não é um fenômeno da natureza. Alguém riscou o fósforo primeiro. E aí a coisa engrenou. A cama redonda. O espelho no teto. A banheira. Tudo pode gerar uma boa discussão, mas o que pega mesmo pra mim é o espelho no teto. Pararam pra pensar? Alguém, em algum momento, falou: por que não colocar um espelho no teto? A ideia foi tão genial, que segue firme até hoje, tantos anos depois.
Propagandas atuais de banco. Não vou citar nomes aqui porque não estou num momento bom para encarar um processo. Fiquei preocupado quando percebi que estava me emocionando com uma propaganda de banco, com voz embargada e olhos marejados. Aí eu lembrei que fui forjado nos anos 80, quando as propagandas de banco eram mais ríspidas, informativas, toscas. Deu saudade daquela época. O lance era mais honesto. A propaganda estava ali para mostrar que as taxas daquele banco eram mais vantajosas. E só. Agora eu tenho de lidar com filminhos que falam de um mundo melhor, mais justo. A instituição que banca a parada cobra taxas inacreditáveis. Já pensou na máfia patrocinando uma campanha pela paz?
Beach tennis. Meu melhor amigo tem uma quadra de beach tennis, e eu não seria sacana de falar mal do esporte. Eu só estou imaginando o momento em que alguém teve o estalo. Isso que me fascina. Estamos diante de algo recente, acredito. O mais doido disso tudo é que o beach tennis é a fusão do tênis com o frescobol. Tênis e frescobol são instituições antigas. E ficaram ali, separadas, por décadas. O tênis é competitivo; o frescobol, colaborativo. Eu não sou muito versado em praia, mas não me lembro de ver a galera dando porrada na bolinha enquanto brincava de frescobol. Para coroar, a rede é alta, como a de vôlei. De novo, não estou falando mal. Pratiquem esporte. Esporte é vida.
Futmesa. Isso já é mais difícil de engolir. Se você não conhece, sorte sua, mas vamos lá, estou aqui para explicar as coisas boas e ruins do mundo. Imagine uma mesa que tem mais ou menos o tamanho de uma mesa de pingue-pongue, só que encurvada nas extremidades. Tem uma redinha no meio. A bola usada é de futebol. Joga-se na modalidade individual ou em duplas. Os jogadores podem usar todas as partes do corpo, menos mãos e braços. Lembra muito o futevôlei, só que a coisa rola numa mesinha ridícula, com uma bola enorme. Parece jogo dos sete erros. O que fazer para criar algo verdadeiramente grotesco? Quem teve a ideia deve ter sido um morador entediado de apartamento.
Aí eu capoto e deixo o sono me levar.