Press Enter and then Control plus Dot for Audio
Sorocaba, Domingo, 4 de Maio de 2025

Buscar no Cruzeiro

Buscar

Exemplo

Uma bola e muita coragem

Aos 86 anos, Alayde de Salve D’Alonso transforma a vida de gerações por meio do futebol

26 de Abril de 2025 às 20:00
Alayde não apenas formou um time: construiu uma família e deu esperança a quem mais precisava
Alayde não apenas formou um time: construiu uma família e deu esperança a quem mais precisava (Crédito: FÁBIO ROGÉRIO)

Em uma cidade estranha, sem dinheiro no bolso e com quatro filhos pequenos nos braços, Alayde de Salve D’Alonso poderia ter se rendido às dificuldades, mas escolheu o caminho mais improvável: o da coragem. Recomeçou a vida do zero em Sorocaba, enfrentou a solidão, a violência e a pobreza. Onde muitos enxergariam apenas abandono, ela viu uma oportunidade. Com um gesto simples, oferecendo água a um grupo de meninos que jogava bola num campinho de terra, plantou a semente de um sonho que atravessaria gerações.

Costurando uniformes com retalhos, aprendendo as regras no dia a dia e enfrentando todos os obstáculos, Alayde não apenas formou um time: construiu uma família, salvou vidas e deu esperança a quem mais precisava.

Hoje, aos 86 anos, segue como presidente da Associação Atlética União da Água Vermelha, firme e apaixonada como no primeiro dia. Sua história prova que o amor pelo futebol ù e pelas pessoas ù é capaz de vencer o tempo, a dor e qualquer adversidade.

Mais do que comandar um time, Alayde construiu, com suas próprias mãos, uma história de coragem, superação e amor ao esporte. Há 35 anos, ela chegou a Sorocaba com os quatro filhos pequenos e um cenário de desafios pela frente. Separada, enfrentou a cidade desconhecida e a violência das ruas, mas nunca perdeu a coragem. “Enfrentei muita barra sozinha com os meninos”, relembra. Criou os filhos, viu cada um seguir seu caminho, e, sozinha, encontrou no futebol uma nova missão.

Morando no Jardim dos Estados, ao lado de um campinho de terra batida, a história começou quase por acaso. Um grupo de crianças pediu água e Alayde, generosa, não apenas matou a sede da molecada, mas enxergou ali uma oportunidade de mudar vidas. “Perguntei se gostavam de futebol e sugeri que montássemos um time. No outro dia, já estavam lá me esperando”, conta, sorrindo.

Sem saber nada de futebol e nem costurar direito, Alayde fez as primeiras camisetas dos meninos com pedaços de pano que tinha em casa. De lá para cá, aprendeu sobre regras, campeonatos e organização. Registrou o time, com a ajuda da filha, e o União nasceu para se tornar um símbolo da força do futebol de bairro em Sorocaba.

A paixão pela bola foi além: ela montou equipes femininas, ajudou a popularizar o futebol no Jardim dos Estados e viu seu projeto virar referência. Sem patrocinadores fixos, contou muitas vezes apenas com a ajuda da prefeitura para o transporte em “Kombis”, enfrentando viagens e campeonatos com fé e proteção. “Graças a Deus, nunca aconteceu nada”, lembra.

Atravessando décadas, bairros e gerações ù Jardim dos Estados, Água Vermelha, Jardim Refúgio ù Alayde nunca perdeu a essência: riscar o campo, colocar redes, levar água e uniformes para seus times. Lutou para manter o União vivo, muitas vezes quase sozinha, mas sempre com dignidade.

Hoje, mesmo com as mudanças no futebol e nos tempos, a tecnologia afastando as crianças das ruas e dos campos, Alayde segue presente. “Hoje, jogamos mais fora da cidade, mas seguimos firmes”, diz. O União da Água Vermelha é reconhecido em Sorocaba inteira e Alayde ainda é parada na rua, no bar, na padaria: “No futebol, todo mundo me chama de Alayde, com carinho”.

A temporada 2025 do futebol varzeano começa hoje (27) para Alayde. Às 8h, seu time entra em campo, no Centro Esportivo Pinheiros, para enfrentar o Sese, e ela estará lá, como sempre esteve. “Eu comecei no futebol numa brincadeira. Hoje sou profissional, me considero uma, porque tive que aprender.”

Mesmo após enfrentar um grave problema no nervo ciático — a deixou um ano e meio de cama —, Alayde não desistiu. Voltou, montou o time de novo e continua firme: “Mais um ano, estou em pé, graças a Deus”.

Se depender dela, o Água Vermelha jamais deixará de existir. Seu maior desejo é que o time continue depois que ela se for ù e que ela parta em paz, como um anjo. “Espero que eu vá com saúde, porque não quero ir com dor, não”, diz, emocionada.

A história de Alayde de Salve D’Alonso é daquelas que provam que, no futebol de várzea, não se luta apenas por títulos, mas, principalmente, por amor, por comunidade e por transformação. Alayde é, e sempre será, a alma do União Água Vermelha. (João Frizo - programa de estágio)