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Marcelo Augusto Paiva Pereira

Restauração: os três italianos

Em suma, os três italianos inovaram nas doutrinas ao desenvolverem o restauro filológico, que deu natureza científica às intervenções, tanto na arquitetura quanto no urbanismo

25 de Março de 2022 às 00:01
Marcelo Augusto Paiva Pereira.
Marcelo Augusto Paiva Pereira. (Crédito: Arquivo Pessoal)

Marcelo Augusto Paiva Pereira

Na primeira metade do século XX, três italianos, Camillo Boito (1834 - 1914), Gustavo Giovannoni (1873 - 1947) e Cesare Brandi (1906 - 1988), inovaram no espaço doutrinário da restauração com a criação da restauração filológica. Seguem os comentários abaixo.

Camillo Boito elaborou posição moderada entre Viollet-le-Duc e Ruskin. Teve influência da restauração do francês e do dueto nostálgico-romântico do inglês, mas se opôs à retroatividade, à unidade estilística e à conservação das ruínas.

Boito criou o restauro filológico, cuja intervenção prestigia o valor documental da obra e dela faz testemunho do período histórico. A restauração é intervenção mínima, a preservar a memória e os valores naquela implícitos. Depende de um juízo crítico decorrente das pesquisas e estudos do restaurador, para escolher o que deve permanecer -- ou não -- na obra.

Acréscimos e adições devem ser evitadas; se não for possível, deverão indicar a contemporaneidade delas e não poderão colidir com a estética da obra (ele não admitiu a clonagem de peças). Projeto e criatividade fazem parte da restauração, mas deve-se evitar a fantasia, o devaneio e a vaga ideia do que teria sido, para não perder a autenticidade. Também acolheu a conservação como instrumento de preservação e o registro das obras.

Gustavo Giovannoni acolheu o restauro filológico de Camillo Boito, mas o estendeu ao espaço urbano, além do arquitetônico. Para ele, a restauração também é intervenção mínima, deverá distinguir os extratos temporais e não acolhe a repristinação (recuperação da unidade estilística) da obra.

Elaborou, então, o método do desbastamento para ajustar a leitura urbana. É caso de intervenção pontual, seletiva, elimina formas (edifícios) e preserva outras com o fim de melhorar o conjunto urbano e permite ao antigo expor-se em harmonia. Depende de juízo crítico decorrente das pesquisas e estudos do restaurador.

Cesare Brandi excluiu o empirismo da restauração. Também acolheu o restauro filológico enquanto ato científico e crítico. Conferiu, porém, prevalência do estético, sem prejuízo ao valor documental e histórico da obra. A ele a restauração deve respeitar o passado e alinhá-lo com o tempo, enquanto os monumentos são documentos e obras figurativas com significado simbólico e social.

Elaborou dois axiomas: 1º) restaura-se somente a matéria (o processo mental criativo não pode ser atingido); 2º) a restauração visa somente ao restabelecimento da unidade potencial da obra, sem eliminar os sinais do transcurso do tempo na obra.

Elaborou dois princípios: 1º) a restauração deve distinguir os períodos históricos da obra, inclusive os da própria restauração; 2º) a restauração deverá facilitar eventuais intervenções futuras na obra. Assim como os axiomas, ambos também têm natureza objetiva e evitam o falso histórico e a clonagem de peças.

Em suma, os três italianos inovaram nas doutrinas ao desenvolverem o restauro filológico, que deu natureza científica às intervenções, tanto na arquitetura quanto no urbanismo. E, diferentemente de Viollet-le-Duc e de John Ruskin, mensuraram cada intervenção para atualizar a obra sem modificá-la nem perder a autenticidade. Nada a mais.

Marcelo Augusto Paiva Pereira é arquiteto e urbanista