Nildo Benedetti
Filmes da Netflix: ‘Yara’
Artigo escrito por Nildo Benedetti
“Yara” é para os aficionados de filmes “baseados em fatos reais”, principalmente dos que relatam crimes famosos. Foi dirigido pelo italiano Marco Tulio Giordana.
Em novembro de 2010, a adolescente Yara Gambirasio, de 13 anos, desapareceu sem deixar rastros no caminho de 700 metros entre a academia em que praticava esportes e sua casa. O fato ocorreu na província italiana de Bergamo. Policiais e voluntários civis procuraram pela jovem, até que seu cadáver foi casualmente encontrado exatamente três meses após o desaparecimento. A partir desse momento começou a maratona para encontrar o assassino. A promotora Letizia Ruggeri é encarregada das investigações e da acusação. Um jovem imigrante marroquino é acusado do crime, mas as investigações evidenciaram sua inocência. Um político exibe sua indignação contra os imigrantes. O filme não mostra, mas suponho que ultradireita nacionalista italiana tenha se decepcionado pelo fato de o crime não ter sido praticado por um imigrante árabe, crime que poderia servir de reforço às teses xenofóbicas que ela ostenta com tanto vigor.
O material genético encontrado na roupa da menina possibilita mapear o DNA do suposto culpado. Como não existe um banco de dados de DNA dos indivíduos locais, Ruggeri faz uma triagem da população para encontrar as sequências genéticas compatíveis com as do provável assassino. Alguns percalços científicos ocorrem, a investigação é criticada por ser invasiva de informações genéticas pessoais e por seu alto custo. Depois de quatro anos de investigações, o caso foi solucionado três semanas antes de ser legalmente arquivado. É estranho, mas tudo pode acontecer.
Em julho de 2016, o pedreiro Massimo Bossetti foi considerado culpado e condenado a prisão perpétua. A sentença foi confirmada em duas instâncias superiores nos dois anos seguintes à condenação em primeira instância. Em 2019 e 2021, em vão a defesa de Bossetti solicitou acesso aos elementos biológicos e roupas para reavaliação das investigações. Massimo Bossetti até hoje se declara inocente.
Filmes baseados em fatos reais nada mais são do que a interpretação de roteiristas e diretores de fatos ocorridos. O filme deixa claro que Bossetti é o assassino de Yara e que Ruggeri é a heroína que o levou à prisão. Presenciamos sua obstinação em encontrar o culpado, sua firmeza de caráter, sua capacidade de decidir, sua assertividade, seu treinamento de box e por aí vai. Fica óbvio que o filme quer nos levar a crer que seu empenho nas investigações é provocado por sua condição de mãe amorosa e dedicada de uma filha adolescente. Em suma, Ruggeri é a mulher perfeita.
A relação entre Ruggeri e a filha não é a única narrativa desnecessária do filme. Como não pode faltar em filmes do gênero, Ruggeri e os policiais que a auxiliam nas investigações sofrem - mas resistem bravamente - a pressão da imprensa que adora sensacionalismo, dos políticos que fingem indignação para conquistar votos, do público revoltado. Também a capacidade de investigação dela é colocada em pauta por ser mulher.
Várias coisas incomodam no filme, incluindo o desempenho da atriz Isabella Ragonese como a promotora. Ostenta olhares, expressões faciais e trejeitos próprios de pessoas comuns que se metem a desvendar mistérios.
Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec