Dom Julio Endi Akamine
Pecado original

Desejamos viver e não só sobreviver, mas a morte nega esse nosso desejo e por isso a experimentamos como mal definitivo e o sofrimento como sua antecipação. Não só o destino final de nossa vida está assinalado pela negação, mas também o seu cotidiano: a terra, que poderia dar frutos, produz, apesar das fadigas e esforços humanos, espinhos. O trabalho é fatigante e pouco produtivo. A geração de filhos, que pertence ao que é próprio da mulher, é acompanhada de dores lancinantes. Até mesmo a atração erótica, que deveria conduzir ao encontro pessoal entre homem e mulher, está contaminada de dominação, violência e abuso. Como se pode notar, essa situação descrita pelo livro do Gênesis descreve a nossa experiência atual da vida neste mundo.
O livro do Gênesis tinha descrito a situação original como boa, mas atualmente vivemos uma outra condição. Por isso, entre a nossa situação atual e a bondade dos inícios deve ter ocorrido algo que perturbou e desordenou a obra da criação.
Esta é a questão que o Gênesis nos põe e descreve com grande profundidade. Se tudo é bom desde a origem pela criação de Deus, e se o ser humano é a coroa de um universo excelente, como se explica a presença do mal? Bem e mal é a divisão mais radical que nós experimentamos não só nos outros, mas em nosso próprio coração. Se Deus, ao criar, viu que tudo era muito bom, como podemos explicar esse drama que divide as pessoas e o próprio coração?
Gn 3,1-8 descreve, em forma de relato, a degradação da condição humana. Trata-se do relato do pecado das origens ou, como diz a teologia, do pecado original. Prestemos atenção: a forma de relato pode nos levar a pensar que o pecado, conforme descrito no Gênesis, tenha acontecido somente uma vez em um passado distante, mas o livro bíblico nos ensina que o que é relatado como um fato do passado, na verdade, descreve o que está acontecendo hoje.
Vejamos juntos.
A serpente se aproximou da mulher e astutamente perguntou: “É verdade que Deus vos disse: Não comereis de nenhuma das árvores do jardim?” A serpente é, de fato, muito astuta. Ela sabia que Deus não tinha proibido o casal original de comer de todas as árvores do jardim. Fez essa pergunta com uma intenção má. Havia muitas árvores no jardim, e a mulher nem mesmo deveria se lembrar do fruto proibido, mas a pergunta da serpente recordou e chamou a atenção para o que era proibido. Não é isso o que acontece também conosco? Há tantas coisas boas que podemos desfrutar e praticar, mas nosso olhar se volta para o que é proibido.
A mulher respondeu: “do fruto das árvores do jardim, nós podemos comer. Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus nos disse: Não comais dele nem sequer toqueis, do contrário, morrereis”. A serpente alcançou o seu objetivo: não só chamou a atenção para o que era proibido, mas, fazendo isso, provocou na mulher a insegurança. De fato, Deus não tinha proibido tocar, somente comer. Exagerando a proibição, a mulher mostra que a sua vontade já fraqueja e, por isso, necessita cercar o proibido com interditos suplementares.
Essa é também a nossa situação. Muitas proibições não foram impostas por Deus, mas foram criadas e acumuladas por nós, exatamente porque nossa vontade não está firmemente ancorada na vontade de Deus. Multiplicamos as proibições, mas isso não garante a nossa obediência a Deus, se não aderirmos de todo coração à vontade de Deus. Sem adesão livre e responsável à vontade de Deus, o ser humano só evitará o mal apenas por medo do castigo ou enquanto permanecer oculto.
Como podemos atualizar as investidas da serpente e as consequências do pecado original? Esses serão os temas de um próximo artigo.
Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba.