Celso Ming
Liberação do câmbio na Argentina

Acabou o “cepo” na Argentina, mas não acabaram as incertezas. Cepo era aquele pedaço de tronco de árvore, cortado horizontalmente, sobre o qual o condenado tinha de apoiar a cabeça antes que fosse decapitada — ou melhor, decepada. É como os argentinos denominam as restrições para a compra de dólares.
Pressionado pelo Fundo Monetário Internacional, que, para novo empréstimo de US$ 20 bilhões, exigiu o fim das restrições, o governo de Xavier Milei afinal liberou o câmbio. Mas liberou de forma administrada, por meio do sistema de bandas. A banda de cima passa a ser de 1,4 mil pesos por dólar e a de baixo, de 1 mil pesos. Se a demanda aumentar tendendo a puxar o dólar para acima da banda, o banco central argentino entra vendendo. Se acontecer o contrário, o banco central compra divisas.
Nos três primeiros dias de fim do cepo, as cotações ficaram em posição intermediária, em torno dos 1.225 por dólar, uma alta de 12% sobre a situação anterior, que foi comemorada pelo governo. Trata-se da maior desvalorização do peso e, portanto, maior pressão sobre a inflação — um dos riscos da decisão — e também do forte encarecimento das despesas de viagem de brasileiros para a Argentina, que já estava muito alta.
O objetivo imediato é atrair mais moeda estrangeira, não só de exportadores de lá como também de pessoas comuns que há muitos anos mantêm suas reservas familiares em dólares, ou no forro de algum colchão ou em depósitos em bancos no exterior, especialmente no Uruguai. O princípio aí é que dinheiro é como bicho, não entra em buraco de onde não pode sair. Com o fim das restrições, a ideia é atrair boa parte desses recursos com objetivo de aumentar as reservas do banco central.
Nesse ponto, a questão principal é de confiança na condução da economia. Por enquanto, o governo Milei tem obtido mais sucesso que fracasso no ajuste. Mas foram tantas as trombadas dos governos anteriores que a atitude inicial mais provável do detentor de dólares é esperar para ver. Se as cotações do dólar resvalarem para o ponto mais baixo da banda, a tendência é aumentar a oferta de dólares. Se acontecer o contrário, será sinal de que a confiança baixou e de que a entrada de moeda estrangeira também tenderá a cair.
As coisas dependerão de três fatores, além do controle da inflação, que caiu muito mas ainda é alta, de 3,7% ao mês. Dependerão, em primeiro lugar, de que o governo continue obtendo bons resultados fiscais.
Dependerão, também, do vigor das exportações, especialmente de grãos, numa conjuntura complicada depois do tarifaço, ainda que o governo argentino conte com forte apoio do presidente Donald Trump.
E, mais que tudo, dependerão do jogo político, na medida em que a austeridade e as transferências de recursos para os Estados têm de continuar, numa situação em que Milei não conta com maioria no Congresso. A conferir.
Celso Ming é comentarista de economia.