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Sorocaba, Sexta-feira, 2 de Maio de 2025

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Éric Diego Barioni

Impactos da IA generativa de texto no processo de aquisição de saberes

25 de Abril de 2025 às 22:23
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. (Crédito: FREEPIK)

Agenor de Miranda Araújo Neto (1958-1990) foi um cantor, compositor, ator, poeta e letrista brasileiro. Cazuza morreu em 1990, vítima das consequências da síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids), porém, pouco antes de sua morte, em 1988, de composição feita em parceria com Arnaldo Pires Brandão, Cazuza foi cirúrgico ao cantar “O tempo não para” e entoar “...eu vejo o futuro repetir o passado, eu vejo um museu de grandes novidades...”.

Assim, de laboratório de análises clínicas no Estado do Rio de Janeiro lucrando às custas da saúde de pessoas inocentes que, por imperícia de seus profissionais, foram infectadas pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) às lições de Paulo Freire (1921-1997) e retornando ao futuro do presente que se escancara na inteligência artificial. Caro leitor: não há como negar que o futuro frequentemente tem repetido o passado.

No livro “Pedagogia da Autonomia” (1996) de Paulo Freire, aprendi dois conceitos que modificaram minha visão de mundo enquanto educador e educando. Mais recentemente, à luz da inteligência artificial generativa (IAgen) de produção de texto, como o ChatGPT, e do comportamento de alguns estudantes, esses conceitos se tornaram ainda mais pujantes em minha vida. Paulo Freire me ensinou sobre as curiosidades ingênua e crítica/epistemológica.

Ainda que ambas possam coexistir em vários setores de nossa vida, o processo de ensino e aprendizagem à luz daquilo que deve ser o exercício da função docente exige estimular sempre a sobreposição da curiosidade crítica sobre a ingênua. Assim, ao passo que a curiosidade ingênua é aquela fomentada pelo “senso comum”, a curiosidade epistemológica é metodológica e fundamental para a formação de profissionais críticos, reflexivos e humanistas.

Para a formação técnica e humana integral de profissionais de qualquer área do conhecimento, o caminho é árduo nem sempre glamuroso e financeiramente rentável. O Brasil é muito desigual para que força de vontade e proatividade sejam os únicos ingredientes para o sucesso que, a depender do que você considera, jamais será alcançado.

Mas verdade seja dita, o conhecimento é um bem precioso de tão alto valor que não há preço e nem trapaceiro (a) que possa usurpá-lo de você.

O problema que nos distancia dessa realidade descrita acima são as ferramentas de nosso mundo cada vez mais tecnológico que trabalham para enpoderar poucos (as), limitar muitos (as) e manter as desigualdades sociais de nosso País. Isso tem muito a ver com os atalhos de formação que essas ferramentas proporcionam e tais atalhos dialogam e muito com a curiosidade ingênua de estudantes, professores e profissionais das mais diferentes áreas.

Ferramentas como a internet, a Wikipédia e o Google revolucionaram a nossa relação com o mundo, com os livros e com a forma de adquirir conhecimentos. Essas ferramentas potencializaram as possibilidades de desenvolvimento humano, porém, o mal-uso e a falta de regulamentação têm servido a interesses escusos de subtração de muitos futuros e desestruturação de nossa sociedade. A curiosidade crítica na formação e exercício de profissionais não deve ser substituída pela curiosidade ingênua.

A IA generativa de produção de textos, como o ChatGPT e Gemini, são exemplos num espectro de tantos outros atuais — claro que agora à altura da evolução humana e tecnológica de poucos (as) — que limitam muitos (as) e trabalham pelo incremento e manutenção dos abismos sociais que já conhecemos. Me preocupa observar estudantes num processo de formação técnica utilizar o ChatGPT e outros para processar informações, gerar respostas ou textos considerados absolutamente verdadeiros, e que deveriam ser criticamente processados e elaborados primeiramente pela mente humana.

Eu não sou contra o uso dessas ferramentas. Eu as utilizo, mas esses atalhos de formação nos fragilizam e distanciam da curiosidade crítica. Assim, entre outros atores e atrizes, cabe também a nós professores e professoras o papel de orientar o uso correto e otimizar a nossa experiência de uso, se capacitando, capacitando nossos pares e estudantes e potencializando nosso processo de ensino, aprendizagem e avaliação.

Éric Diego Barioni é professor doutor na Universidade de Sorocaba (Uniso) e conselheiro no Conselho Regional de Biomedicina da 1ª Região (CRBM1).