Ingestão de café e dor de cabeça
Mário Cândido de Oliveira Gomes
O hábito de tomar café já se tornou um vício do povo brasileiro, que ingere a famosa rubiácea sob diferentes formas, como o café solúvel, tradicional (coador) ou preparado de forma concentrada (tipo italiano), em pequenas xícaras de 50 ml, contendo em média 40 a 70 mg de cafeína. O hábito de interromper o trabalho ou o lazer para ingerir café está tão enraizado na cultura do povo que às vezes a ingestão é excessiva, ou seja, mais de dez xícaras durante um dia normal de trabalho.
A ingestão de cafeína também aumenta através de outras bebidas, como chocolate, chá, refrigerante tipo cola, guaraná, mate, etc. Já foi demonstrada a relação da cafeína com diferentes tipos de cefaléias, assim como seu efeito analgésico sobre o sistema nervoso central. Acontece que o cafeinismo, isto é, o excesso de ingestão de cafeína, também pode provocar dor de cabeça. Como exemplo, existe a cefaléia dos fins de semana, cuja relação de causa e efeito é observada pela diminuição ou retirada da ingestão de cafeína nos fins de semana, férias ou feriados. A redução drástica de cafeína tem a característica da síndrome de abstinência de drogas, com aparecimento de cefaléia, irritabilidade, desânimo etc. Todavia, se a ingestão nos fins de semana for a mesma utilizada durante os dias normais de trabalho, a dor de cabeça não aparece.
Um estudo realizado com 144 portadores deste tipo de cefaléia verificou que 121 (84%) apresentavam dor em peso ou pressão na cabeça, de intensidade moderada, frontal e bilateral. Outros 14 (9,7%) mostravam dor latejante, mais intensa ou exclusiva de um lado da cabeça, associada a náuseas e/ou vômitos e distúrbios visuais (tipo enxaqueca) e, finalmente, 9 (6,3%), dor com características diferentes das anteriores. Dos 121 pacientes que referiram cefaléia frontal bilateral moderada, 110 (91%) informaram que a ingestão de café nos fins de semana era a metade da dose habitual na semana regular de trabalho, ou seja, de 5 a 7 xícaras pequenas por dia, que equivale a 200 a 490 mg de cafeína/dia. Dos 14 que relataram dor tipo enxaqueca, 5 (35,7%) também contaram redução das doses nos fins de semana, assim como 3 (33%) dos 9 com dor incaracterística.
Desta forma, é sugestiva a relação da diminuição de cafeína nos fins de semana com o aparecimento de dor de cabeça. Inclusive, tem sido sugerido que este quadro tem todas as características da síndrome de abstinência do álcool, maconha, etc. ,obviamente em nível infinitamente menor. Nos portadores de enxaqueca o uso abusivo de cafeína pode acarretar o desencadeamento da crise, ao lado de outras substâncias ou alimentos, como álcool, condimentos, frituras, chocolate etc., ou situações de tensão, como menstruação, estresse e atividade física.
A dor de cabeça dos fins de semana deve ser diferenciada de outras formas de cefaléia, como a cefaléia de tensão, também chamada de contração muscular, de estresse ou psicogênica, que se apresenta como uma faixa apertada em torno da cabeça: a enxaqueca hemicrania ou migrâneal, cuja dor é latejante, geralmente unilateral, pulsátil, na parte anterior da cabeça, podendo ser acompanhada de náuseas, vômitos, perturbações visuais etc. E, finalmente, a cefaléia analgésica, que aparece nas pessoas com mania de remédio para dor, aliás, uma mania nacional.
O tratamento da cefaléia de fins de semana é feito com medicação sintomática, sendo desconhecido qualquer tipo de profilaxia, a não ser a redução drástica do cafezinho durante a semana ou seu aumento nos fins de semana. O valor terapêutico da cafeína e de outros derivados da xantina provém de seus efeitos diuréticos e de sua capacidade de estimular o coração e o sistema nervoso. Seu emprego visa abolir a fadiga e manter o estado de vigilância.
O café é o modo usual de administração de cafeína, sendo que uma xícara pode conter até 100 ou 150mg do estimulante. Todavia,doses excessivas provocam insônia, ligeiro delírio, zumbidos, palpitações, diurese intensa e até arritmias cardíacas. Por isso é contraindicado para os portadores de pressão alta, cardíacos, epilépticos etc. Os efeitos excitatórios da cafeína são facilmente controlados com barbitúricos ou outros sedativos, sendo as mortes por envenenamento extremamente raras. Mas, existem.
Artigo extraído do livro Doenças - Conhecer para prevenir (Ottoni Editora), de autoria do médico Mário Cândido de Oliveira Gomes, falecido aos 77 anos, no dia 6 de junho de 2013.