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Uma ponte de livros

17 de Dezembro de 2020 às 00:01

Uma ponte de livros Crédito da foto: Reprodução / Internet

Leandro Karnal

Sim! Você sobreviveu até a penúltima semana de 2020. Parabéns! Eu sei que os pessimistas estão dizendo: ainda faltam vários dias. É verdade. Seria tão injusto falhar agora! Viemos nadando com desafios desde março. A outra margem do rio está tão próxima. Sejamos otimistas: chegaremos todos a 2021.

Há uma possível pausa pela frente. Em algum momento você terá um pouco mais de folga. Chegou a hora de pensar estrategicamente: livros. Por quê? Não sei o que nos aguarda no ano próximo e novo. Sei que ele será mais bem vivido se houver mais pensamentos, maior conhecimento, mais informações. Atrás de sugestões para ter ou presentear? Farei algumas. Lembre-se sempre: um livro é um presente permanente que pode mudar a cabeça do agraciado.

Literatura? É o ano do centenário de nascimento de Clarice Lispector. A editora Rocco lançou um volume alentado e lindo com “Todas as cartas”. É a correspondência da nossa maior escritora em um tomo que “fica sozinho em pé”. A leitura me trouxe um enorme prazer. Se o gênero correspondência não faz sua cabeça, mergulhe nos volumes da mesma editora com várias obras de Clarice: “A maçã no escuro”, “A legião estrangeira”, “Onde estivestes de noite”, “O lustre”, “Perto do coração selvagem”, “Felicidade clandestina” e “A bela e a fera”. São apenas alguns dos títulos lindos, com capas sedutoras e textos que vão alterar seu mundo.

Quer reencontrar outros clássicos? A Cia das Letras lançou “Ressurreição”, de L. Tolstoi. A luta de um nobre para reparar um erro grave do passado é o eixo daquele que, para mim, é uma das melhores obras do russo genial. Se Tolstoi o atrai, a editora Todavia reuniu quatro obras dele (“Felicidade conjugal”, “A morte de Ivan Ilitch”, “Sonata a Kreutzer” e “Padre Siérgui”) em um único volume.

Você sobreviveu a uma das mais transformadoras epidemias na história. Que tal ler “A História das Epidemias”, de Stefan Cunha Ujvari? Saiu pela editora Contexto. Aprende-se muito com o livro, bem escrito e solidamente pesquisado. Prefere o terreno argiloso da política e da sociedade? A pesquisa de Bruno Paes Manso resultou no necessário “A República das Milícias”. O livro proporciona análises indispensáveis e medos incontornáveis.

Você prefere algo que o anime? Pedro Salomão lançou o “Valor presente - A estranha capacidade de vivermos um dia de cada vez” pela Best Business. Tive o privilégio de fazer o prefácio. Na mesma linha, uma coletânea com textos exemplares de Mario Sergio Cortella: “Sabedorias para partilhar”, da Vozes/Nóbilis.

Quer discutir amor e casamento? Não perca “Amor na vitrine - Um olhar sobre as relações amorosas contemporâneas”, de Regina Navarro Lins. A psicanalista vai mexer com suas convicções tradicionalistas e desafiar seus censores invisíveis.

Eduardo Giannetti sempre faz pensar. Li com avidez “O anel de Giges”, da Cia das Letras. Tomando a lenda platônica do anel que produz invisibilidade, o que restaria da ética? Um homem invisível precisa se manter com boas regras morais ou vai acabar se entregando a seus desejos e caprichos menos nobres de espírito? Foi a leitura que mais me provocou inquietações no ano de 2020. É genial a capacidade de Gianetti de combinar densidade com linguagem leve.

Você ou o seu amigo-secreto amam viajar? Guilherme Canever lançou dois tomos pela Pulp: “Destinos invisíveis - Uma nova aventura pela África” e “Uma viagem pelos países que não existem”. Livros densamente ilustrados, com um olhar agudo para lugares inusitados.

A Autêntica vai fundo na alma humana ao lançar uma nova edição do “Além do princípio do prazer”. O livro chegou ao centenário agora e a cuidadosa tradução de Maria Rita Salzano Moraes ajuda a valorizar a obra fundamental do dr. Freud.

Foi um ano estressante, reconheçamos. Talvez seja hora de pensar em um texto sobre ansiedade e o desafio da saúde mental. O dr. Leandro Teles, pela editora Alaúde, lançou “Os novos desafios do cérebro - Tudo o que você precisa saber para cuidar da saúde mental nos tempos modernos”. Acho que a grande meta de 2021 é o desafio do equilíbrio. O livro do dr. Teles ajuda muito.

Você ama narrativas biográficas? A obra de Adam Zamoyski (Napoleão - O homem por trás do mito - ed. Crítica) prenderá sua atenção do início ao fim. O imperador raramente encontrou um biógrafo tão denso e sem lados definidos: sem o sempre esperado “monstro corso” (contra) ou gênio militar e político (a favor). Continua interessado em narrativas biográficas e domina inglês? “Hildegard of Bingen - The woman of her age”, de Fiona Maddocks (Image Books), foi uma descoberta muito feliz. A entrevista final com a Sister Ancilla no mesmo mosteiro onde morou a santa medieval é um recurso muito interessante para iluminar a tradição da grande doutora da Igreja.

Anseia explorar uma área nem sempre devidamente destacada? Aventure-se pela obra “A razão africana - Breve história do pensamento africano contemporâneo” (Muryatan S. Barbosa - Todavia). “O racismo estrutural”, obra crítica de Silvio de Almeida (editora Jandaíra), ajuda em um tema que foi destaque em 2020. Na mesma coleção, a coordenadora da série, Djamila Ribeiro, tem texto indispensável: “Lugar de fala”. Você se preocupa com o universo feminino e suas muitas abordagens? Mary del Priore escreveu “Sobreviventes e guerreiras: Uma breve história da mulher no Brasil de 1500 a 2000” (editora Planeta). 2021 demandará consciência social. Prepare-se!

Muitos e bons livros para todos os gostos. Ler dá perspectiva, vocabulário, ideias e companhia. Um bom texto aumenta seu mundo e o faz sair do senso comum. Embeber-se em histórias é viver de forma ampla. Já é um bom projeto para 2021. Ler é esperança, sempre.

Leandro Karnal é historiador e escritor.