Editorial
Aeroporto é vítima de mais uma palhaçada
O capítulo mais recente do pastelão foi ao ar neste sábado (5) (...) o Daesp desistiu de oficializar três melhorias já implantadas e que custaram R$ 8,7 milhões
Apesar de consolidado como polo de manutenção aeronáutica e dispor de potencial para se transformar igualmente em importante terminal regional de cargas e passageiros, o Aeroporto Bertram Luiz Leupolz -- e todos os sorocabanos, por extensão -- continua sendo vítima da falta de planejamento das instituições governamentais e do desleixo dos responsáveis pela gestão do setor.
O capítulo mais recente dessa novela ao estilo pastelão foi ao ar neste sábado (5) com o mesmo enredo sem graça de sempre: de repente, uma conquista anunciada com pompa e circunstância por um sem número de “pais” simplesmente some de cena, como acontece nos efeitos especiais. Reportagem exclusiva do Cruzeiro do Sul revelou que o Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo (Daesp) desistiu de oficializar três melhorias já implantadas e que custaram aos cofres públicos um total aproximado de R$ 8,7 milhões. A lista do fiasco inclui a ampliação da pista principal em 150 metros, a infraestrutura da iluminação dos pátios 1 e 2 e da sinalização vertical, além da realocação do Sistema Indicador de Rampa de Aproximação (Papi). Coincidentemente, todas a obras têm o objetivo de permitir pousos e decolagens com segurança para aeronaves maiores ou mais pesadas.
Às vésperas de completar 79 anos de uma história repleta de desafios e permeada de desacertos, o aeroporto sorocabano teve sua evolução natural prejudicada em muitas ocasiões. Porém, não há notícias de outra trapalhada da envergadura dessa recém-descoberta pelo repórter Marcel Scinocca. As gerações mais recentes de sorocabanos certamente desconhecem o fato de que o campo de pouso da cidade foi a concretização dos sonho e esforços de abnegados cidadãos. Pelo menos duas décadas antes da inauguração, em 27 de março de 1943, como aeroclube, já havia pessoas planejando, reivindicando, batalhando enfim, para que a cidade entrasse na então seleta rota dos aeroplanos. Foram inúmeras campanhas -- inclusive apadrinhadas por este jornal -- para a arrecadação de tijolos, telhas e cimento visando à construção do primeiro hangar.
Dois imbróglios frustraram os interesses do município e conseguiram atrasar a modernização da pista de pousos e decolagens no início da década de 1960. Primeiro, foi o posicionamento de uma caixa d’água construída irregularmente na vizinhança e que poderia colocar em risco a segurança das aeronaves. Depois de anos de negociações, as autoridades aeroviárias autorizaram a modificação do projeto das pistas. O desafio seguinte também demorou longos meses para ser suplantado: a liberação das máquinas e operadores necessários à execução das obras pela Secretaria Estadual de Viação e Obras Públicas.
Quando tudo parecia resolvido, a morosidade inexplicável da Prefeitura de Sorocaba para concluir os trâmites burocráticos quase botou tudo a perder novamente. Sem a papelada necessária, o Estado acabou mandando os equipamentos para fazer serviço semelhante no aeroporto de Itu. Passados mais alguns meses, o trabalho na cidade vizinha já estava concluído e os equipamentos liberados para retornar a Sorocaba. No entanto, o Cruzeiro do Sul de 3 de fevereiro de 1962 denunciou que a cidade estava na iminência de ver o maquinário desviado para outra localidade novamente, já que a administração municipal ainda não conseguira cumprir as exigências.
O novo século chegou, a política mudou, a tecnologia evoluiu... No entanto, as dificuldades enfrentadas por aqueles que realmente se preocupam e querem o desenvolvimento do aeroporto de Sorocaba não dão trégua. A desistência do Daesp em oficializar a ampliação da pista de 1.480 para 1.630 metros leva no sentido diretamente oposto ao que se pretendia. Vale ressaltar que o Departamento Aeroviário não se opõe aos investimentos ou às obras -- tanto uns como os outros foram concluídos há muito tempo. Apenas, sem qualquer explicação, o órgão desistiu de um processo burocrático junto à Agência Nacional de Aviação (Anac) iniciado há mais de cinco anos. Os 150 metros oficialmente não existem nem podem ser utilizados.
Para completar a confusão, o Daesp contradiz toda a lógica ao garantir que a decisão não traz prejuízo para as operações do aeroporto. Evidentemente, a notícia foi recebida com indignação por aqueles que atuam no setor. Não é preciso ser especialista em aviação para concluir que o trecho da pista que não poderia ser utilizado fará falta em algum momento. Caso contrário, por que teria sido alvo de tantas reivindicações? O jornal apurou que o abandono do projeto tem, sim, inúmeras consequências negativas. Na verdade, afeta desde os clientes finais, como os operadores das aeronaves, e a revenda de combustível até o movimento das oficinas e do centros de manutenção. Em resumo, 150 metros a menos de pista significa que os aviões têm que pousar mais leves e decolar com menos carga também.
Como já ficou claro que o Daesp não vai voltar atrás na decisão -- aliás, o departamento está com os dias contados, em vias de desativação --, a única esperança de todas as empresas e dos profissionais diretamente envolvidos com o aeroporto é que o consórcio Voa São Paulo, vencedor do processo de privatização concluído no ano passado, inicie um novo processo junto à Anac. Lamentavelmente, neste ponto surge mais um grande motivo de preocupação: o contrato de concessão do aeroporto ainda não foi assinado porque a Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp) atrasou a entrega de documentos. Infelizmente, tudo cheira palhaçada!