Editorial
K9, a fábrica de ‘zumbis‘
Apesar de ser considerada um tipo de "maconha sintética", a K9 foi criada em laboratório no início dos anos 2000
A difusão de uma nova droga, com potencial ainda mais devastador, está preocupando as autoridades de saúde e as forças policiais. Trata-se da K9, um produto sintético, desenvolvido em laboratório, que pode, entre outras coisas, viciar rapidamente os usuários.
Há menos de um mês, no dia 8 de abril, as equipes que fazem parte do programa municipal “Humanização”, da Prefeitura de Sorocaba, identificaram o primeiro caso na cidade. Desde então, a atenção foi redobrada, para evitar que o material se espalhe.
A K9 é uma substância que pode causar a paralisia de funções básicas no organismo e é considerada 100 vezes mais agressiva que o crack. Em pouco tempo, os usuários perdem a capacidade cognitiva, ficam catatônicos, se transformando em verdadeiros “zumbis”.
Introduzida inicialmente nos presídios de São Paulo, a droga a K9, também conhecida como K2, K4 ou “spice”, deixou o confinamento dos muros das penitenciárias para ganhar as ruas de muitas cidades paulistas. Na Capital, por exemplo, a Secretaria Municipal da Saúde, preocupada com o aumento de casos, publicou uma nota técnica na qual afirma ver “aumento de intercorrências” relacionadas à substância, “em especial junto à população infantojuvenil”.
Apesar de ser considerada um tipo de “maconha sintética”, a K9 foi criada em laboratório no início dos anos 2000 e tem efeito até cem vezes mais potente do que o produzido pela planta Cannabis sativa. Segundo estudos preliminares, a droga foi distribuída nas cadeias pela organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) como “balão de ensaio” para testar os efeitos da substância.
A matéria-prima para fabricar o K9 chega ao Brasil pelo contrabando ilegal em portos, aeroportos e fronteiras terrestres. Ela vem da Ásia, de partes da Europa e do norte da África em pequenas pedras que se assemelham a sais de banho e, uma vez no País, são “cozinhadas” em laboratórios normais “de fundo de quintal” até serem transformadas em um líquido transparente.
Esse líquido contém princípios ativos que imitam o efeito de drogas clássicas, como maconha ou LSD, mas com potência muito maior. Para entrar nos presídios, escapando das revistas e da fiscalização, o material é borrifado em folhas de papel de gramatura mais espessa. Essas “cartas batizadas”, depois de entregues aos detentos, são picotadas e consumidas como uma espécie de cigarro.
Nas ruas de São Paulo, a nova droga costuma ser borrifada sobre misturas de ervas, da mesma forma que a droga se disseminou em Nova York, daí o nome “spice”: a palavra é usada para designar tempero em inglês. Essa forma também contribuiu para que ela fosse chamada de “maconha sintética”, apesar de não ser derivada da mesma planta.
De janeiro a abril, a Secretaria de Saúde de São Paulo já registrou 216 suspeitas de intoxicação por canabinoides sintéticos, dentre eles a K9. O total representa mais que o dobro do registrado em todo o ano passado, quando foram relatadas 98 ocorrências. “Os canabinoides sintéticos estão entre as principais classes de drogas que geram dependência”, afirma um documento produzido pela própria pasta.
A secretaria também aponta que a K9 pode causar comprometimentos neurológicos, como prejuízos na atenção, falha de memória e da execução e localização visuoespacial.
A repressão a este tipo de produto, extremamente perigoso, tem sido uma das missões dos órgãos de segurança pública. Na segunda-feira, 1º de maio, a Polícia Militar prendeu quatro pessoas por tráfico de drogas em Campos do Jordão, na região serrana do Estado de São Paulo. Entre as drogas apreendidas com o quarteto estavam 5,6 mil pinos de K9.
Vale alertar que os efeitos dos entorpecentes da família “K” são devastadores, podem durar horas e, inclusive, levar à morte. De acordo com estudos médicos, a dependência a esse tipo de droga é imediata e já no primeiro uso as consequências podem ser gravíssimas, principalmente no caso de crianças que ainda estão desenvolvendo as funções cerebrais.
Diante desse quadro é vital que as autoridades brasileiras fechem o cerco a quem importa, produz e distribui esse tipo de produto. É necessário redobrar os cuidados nas fronteiras, evitando que a matéria prima necessária para a produção chegue ao País. São importantes também os trabalhos de inteligência que ajudem a destruir os laboratórios que processam a droga e mais do que tudo ficar atento a quem comercializa. Só assim vamos conseguir dificultar a propagação desse material que pode ceifar muitas vidas Brasil afora.