Eleições 2024
Mudanças nas regras eleitorais exigem atenção
Lei Seca não é igual para todos os Estados; redes sociais e IA têm normas específicas

Há mais de 30 anos, na edição de 17 de novembro de 1992, um dia após o segundo turno da eleição municipal que elegeu Paulo Mendes prefeito de Sorocaba, o Cruzeiro do Sul noticiava que consumidores e comerciantes não respeitaram a Lei Seca. Na ocasião, alguns jovens se reuniram com copos de bebidas alcoólicas. Já os bares, venderam as bebidas discretamente, em copos de refrigerantes. A reportagem flagrou a ação que era proibida devido a votação. Décadas se passaram, a sociedade mudou, e algumas regras válidas durante o período de eleições também foram modificadas. A proibição do uso de bebidas alcoólicas no dia da eleição, por exemplo, a cada ano perde mais força. Atualmente, a regra varia e é estabelecida por cada Estado do País.
“Tem muitas coisas que eram bem diferentes, primeiro a campanha como um todo. Agora, a Lei Seca é por Estado. Por exemplo, São Paulo tem a resolução, tem acordo, mas a Lei Seca não é obrigatória, tanto que, em 2022, a grande maioria dos Estados não teve Lei Seca. Claro que você não deve se embriagar, mas a Lei Seca perdeu muita força e poucos Estados implantam”, explicou Ricardo Stella, advogado especialista em direito eleitoral.
Outra regra alterada com o passar dos anos é sobre o derrame de “santinhos” nas vias públicas. Embora inadequada, a prática era comum e causava grandes prejuízos, como o entupimento de bueiros. Hoje, a ação, conhecida popularmente como “boca de urna”, é considerada crime eleitoral, passível de detenção de seis meses a um ano, “com alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de R$ 5.320,50 a R$ 15.961,50”, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Apesar da proibição, ainda há quem despeja o material de campanha na rua, muitas vezes, durante a madrugada do dia da eleição.
“O derrame de material pode ser considerado também crime ambiental e cria uma série de multas eleitorais que foram colocadas por conta desse tipo de expediente, de derrubar o material na porta das escolas. Também tiveram muitos acidentes, pessoas que escorregaram, caíram e se machucaram por conta disso”, ressalta Stella.
O Cruzeiro do Sul foi até o Centro de Sorocaba ouvir a opinião da população sobre as atuais regras eleitorais. Referente a Lei Seca, os moradores ouvidos pela reportagem acreditam que a medida deve continuar a existir. Sobre o derrame de “santinhos”, eles contam que o crime ainda acontece. Para a população, a fiscalização contra essa prática deve ser intensificada.
“Pode melhorar no sistema desses papeizinhos. Falam que não pode jogar no chão, mas muitas vezes passamos em vários lugares e tem papel no chão e a cidade fica suja”, declarou o mecânico Valdenilson Chagas, de 50 anos. O eletricista José Valdemar Silvério Conceição, de 72 anos, disse que muita gente, inclusive eleitor, pega os “santinhos” e jogam no chão. “Ontem mesmo (quinta-feira, 12), eu vi uma pessoa jogando um monte aqui no Centro. Se não quer, não pega, tem que jogar no lixo”. Para a dona de casa Edmara Aparecida Paschoal, de 52 anos, “jogar ‘santinho’ na rua é complicado, porque jogam na porta da casa da gente e a cidade fica suja. Isso é ruim para a população, acho importante que tenha regra”.
Redes sociais e IA
O mundo mudou e estar conectado com as redes sociais faz parte do dia a dia da maioria das pessoas. Com isso, o TSE precisou implementar regras também para o mundo virtual. Em 6 de outubro, dia da eleição, pode haver manifestações silenciosas de apoio aos candidatos, como o uso de bandeiras, camisetas e adesivos. O mesmo vale para as redes sociais. Você pode postar uma foto, por exemplo, a caminho da votação com o adesivo do seu candidato, mas está proibido pedir votos na internet, assim como publicar foto da urna eletrônica.
“A internet hoje já é o maior gasto eleitoral. Hoje a pessoa comum, não no dia da eleição, mas até o sábado, dia 5, pode postar, pode manifestar a sua opinião, pode pedir voto para o seu candidato tranquilamente, mas ela não pode impulsionar esse conteúdo político eleitoral da própria rede. Já o candidato não pode pagar para fazer propaganda fora de suas redes sociais. O único gasto que ele pode ter com internet é com a página dele”, comenta Rodrigo Stella.
Outra questão debatida entre os especialistas atualmente é sobre a inteligência artificial. Segundo o advogado, conteúdos de deepfake, capaz de alterar aparência, voz e até movimentos de uma pessoa em um vídeo, é proibido em qualquer período das eleições. “A maior mudança é exatamente isso. Você tem possibilidade de utilizar a inteligência artificial, mas é interessante entender o motivo da proibição do deepfake. Imagina em uma cidade pequena ou média, ou até mesmo na cidade grande, aparece um vídeo faltando três dias para acabar a eleição de um candidato X que outro político produziu colocando a cara dele em uma cena terrível — até você conseguir reverter isso, provar — acabou a eleição e isso definiu aquela eleição”.
O especialista acredita que, por outro lado, o recurso também poderia ser utilizado de forma positiva. Para Stella, por se tratar de algo novo, a aplicação das regras envolvendo a inteligência artificial nas eleições ainda deve mudar. “O deepfake não foi dosado. Esse deepfake, que é criar a imagem, a voz da pessoa, nem a do próprio candidato pode usar, por exemplo, eu tenho alguns candidatos clientes que têm muitos apoiadores, deputados, e eles queriam usar o deepfake para fazer vídeos personalizados para os candidatos que ele apoia, porque não dá tempo de gravar para todo mundo. Autorizado, seria um uso interessante”.
Rodrigo Stella reforça também que as medidas incorporadas pela Justiça Eleitoral são importantes e precisam ser discutidas para o esclarecimento da população. “As regras são duras o suficiente, são bem colocadas, mas precisam ser melhores interpretadas, pacificar alguns entendimentos, pois tem muita diferença de cidade para cidade, então, uniformizar as decisões nesse sentido. Acredito, de verdade, que falta muito discutir mais as regras, porque é uma coisa que, eu gostando ou não, vai influenciar a minha vida”, finalizou o advogado especialista em direito eleitoral.
Denúncias
As denúncias contra os crimes eleitorais podem ser apresentadas diretamente ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O órgão disponibiliza o aplicativo Pardal, sistema que possibilita ao cidadão informar à Justiça Eleitoral e ao Ministério Público sobre infrações eleitorais e irregularidades verificadas nas campanhas.
O Pardal é gratuito e está disponível para smartphones e tablets nas lojas virtuais Apple Store e Google Play e em Formulário Web nos portais da Justiça Eleitoral por meio do endereço https://pardal.tse.jus.br/pardal-web/ .
“O Pardal pode ser utilizado para noticiar diversos tipos de infrações eleitorais, como as relativas à propaganda eleitoral, compra de votos, uso da máquina pública, crimes eleitorais, doações e gastos eleitorais e também problemas no ato de votar, em especial qualquer irregularidade relativa ao funcionamento da urna eletrônica (defeito, mau funcionamento, etc.)”, informa o TSE.
Ao fazer uma denúncia, o cidadão deve inserir, obrigatoriamente, o nome e o CPF, além de elementos que indiquem a existência do fato, como vídeos, fotos ou áudios. Se preferir, o denunciante pode pedir sigilo de suas informações pessoais. (Vanessa Ferranti)
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