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Meliponicultura na Uniso

Por que é importante compartilhar a Universidade com as abelhas?

18 de Janeiro de 2023 às 14:41
Tetragonisca angustula, popularmente conhecida como jataí, uma das espécies de abelhas sem ferrão cujas colmeias podem ser encontradas no câmpus
Tetragonisca angustula, popularmente conhecida como jataí, uma das espécies de abelhas sem ferrão cujas colmeias podem ser encontradas no câmpus (Crédito: Hans - Adobe Stock)

Você sabia que é possível encontrar colmeias de seis espécies diferentes de abelhas na Cidade Universitária da Universidade de Sorocaba (Uniso)? Nenhuma delas tem ferrão (sendo, portanto, inofensivas) e, à exceção das abelhas mandaguari (Scaptotrigona sp.) — que não apreciam muito as vibrações sonoras e a movimentação humana —, todas costumam conviver pacificamente com os seres humanos. Inicialmente, essas colmeias foram posicionadas no Núcleo de Estudos Ambientais (Neas), que fica afastado da área central do câmpus, mas, gradualmente, outras colônias como essas estão sendo instaladas em diferentes pontos da Cidade Universitária, em caixotes de madeira posicionados não muito distantes de onde as pessoas costumam circular. Por isso mesmo, é muito importante que a comunidade acadêmica, bem como a sociedade como um todo, esteja consciente das razões por trás dessa iniciativa, tornando-se mais acostumada à presença desses animais, que, apesar de essenciais para o meio ambiente, correm inúmeros riscos em função da expansão humana sobre os ecossistemas.

Compreendendo a importância das abelhas

Para compreender quão importantes as abelhas são para a manutenção dos ecossistemas, é preciso entender primeiro como se dá a reprodução das plantas. Para que uma planta se multiplique, os seus grãos de pólen — que nada mais são do que suas células reprodutivas masculinas, equivalentes aos espermatozóides — precisam alcançar as células reprodutivas femininas de outra planta da mesma espécie, ou, em alguns casos, da mesma planta. Isso pode acontecer por meio de fatores ambientais (como o vento) ou com a ajuda de outros seres vivos, e é exatamente aí que entram os insetos polinizadores, como as abelhas. Para elas, o pólen serve como alimento para suas larvas e, ao coletá-lo, elas acabam transportando-o de flor em flor. Assim, ao longo das eras, esses animais vêm desenvolvendo com as plantas uma importante relação de mutualismo.

“O surgimento das plantas com flor, chamadas angiospermas, a partir do Cretáceo (144 a 66 milhões de anos atrás) permitiu o surgimento do mutualismo, nome dado à relação harmônica entre duas espécies”, explica o professor doutor Heitor Zochio Fischer, do curso de Ciências Biológicas da Uniso, além de outros cursos de graduação da Universidade. Ele destaca que, para cerca de metade das espécies de angiospermas, essa relação mutualística entre planta e polinizador, em especial as abelhas, é o principal fator garantidor de seu sucesso reprodutivo, mais do que outros fatores como a fertilidade do solo ou as condições climáticas. “Via de regra, os polinizadores melhoram a qualidade e a produtividade dos frutos. Assim, podemos chamar de vital esse serviço ecossistêmico que as abelhas promovem. No caso do declínio das abelhas, poderemos presenciar a extinção de plantas e animais, além de grandes mudanças na paisagem.”

Estima-se que essa relação mutualística seja responsável por nada menos do que 9,5% do valor total da produção agrícola mundial, e essa é uma das razões para grande preocupação quando se percebe, por exemplo, a mortandade em massa de abelhas melíferas, um fenômeno que, desde meados dos anos 2000, vem sendo registrado em diferentes partes do mundo.

O colapso das colônias

O chamado distúrbio do colapso das colônias, ou, em inglês, colony collapse disorder (CCD) é um fenômeno registrado pela primeira vez entre 2006 e 2007, nos Estados Unidos. As colmeias de abelhas acometidas pelo CCD apresentam alto nível de mortandade de operárias, o que acaba levando à morte de toda a colmeia, incapaz de sustentar a própria população. Além disso, um fato particularmente curioso é que as abelhas costumam morrer fora das colmeias (ou seja, elas simplesmente não retornam para casa, não sendo encontradas nem dentro nem ao redor dos locais onde as colmeias estão instaladas), e, ao menos aparentemente, não devido à invasão por agentes externos (pragas, por exemplo). O que as está matando, então? É esse o grande mistério.

O problema em si é bastante grave — especialmente quando se considera, no caso brasileiro, que 60% das espécies de plantas utilizadas para alimentação humana e animal, além da produção de biodiesel e outros produtos, dependem da polinização conduzida por insetos. Apesar da gravidade, não existe, ainda, um consenso sobre o grande causador do CCD, e talvez esse consenso seja de fato impossível, uma vez que a síndrome parece ter causa multifatorial. Suspeita-se, no entanto, que as mudanças climáticas e a exposição dos insetos a agrotóxicos sejam grandes candidatos a causadores do colapso das colônias.

“Essa questão do CCD ainda é um pouco controversa, mas é fato que está havendo grande mortandade de abelhas em determinados locais”, comenta o professor doutor Nobel Penteado de Freitas, também do curso de graduação em Ciências Biológicas da Uniso e coordenador do Neas. “Em relação às mudanças climáticas, os impactos sobre as espécies animais em geral são múltiplos, podendo alterar seus metabolismos, a capacidade de uma espécie se adaptar ao ambiente, sua resistência a doenças, a disponibilidade de alimentos, entre outros fatores ecológicos.” Daí advém a dificuldade de prever o que acontecerá com as abelhas em cenários mais pessimistas de aquecimento global; por mais que elas sejam espécies generalistas — e que algumas delas possam até se beneficiar de um mundo mais quente —, ao serem forçadas a mudar de um ecossistema para outro, elas poderão entrar em contato, por exemplo, com outras espécies de patógenos e predadores aos quais não necessariamente estarão adaptadas. E isso já está acontecendo: sabe-se, a partir de evidências científicas, de abelhas que estão migrando para áreas mais frias dos EUA para evitar regiões que estão gradativamente se tornando mais quentes.

Já os agrotóxicos parecem ser ameaças mais iminentes. “Os agrotóxicos são constantemente apontados como possíveis causadores das mortes de abelhas, sendo que sua presença pode levar a diversas alteracoes comportamentais, bioquimicas, fisiologicas e neurologicas, as quais, apesar de não matá-las instantaneamente, podem comprometer o bem estar e a manutencao das colonias”, continua Freitas. “O ideal, assim, seria partirmos para uma transição da agricultura baseada em tecnologia de adubação química e uso de agrotóxicos para uma agricultura que se baseie mais nos princípios ecológicos.” Soluções como essa estão sendo implementadas na Uniso, seja em aula ou por meio de projetos de extensão.

Abelhas no ensino, na pesquisa e na extensão

Inserir as abelhas sem ferrão no cotidiano da universidade é, em primeiro lugar, uma maneira de motivar o debate sobre a importância ecológica das espécies polinizadoras, contribuindo, assim, para um processo de educação ambiental que passa pela sala de aula, mas vai além dela. A própria implementação das primeiras colônias teve origem na pesquisa de um estudante de graduação — Gledson de Jesus Coelho, em 2021 —, que selecionou as espécies mais adequadas e doou as colmeias para a universidade, dando início a um meliponário que tinha como principal objetivo a educação ambiental. Além desse estudo, outras pesquisas envolvendo abelhas e apresentadas como projetos finais de graduação foram registradas ao longo dos anos.

A presença das abelhas na Universidade também tem uma função bastante instrumental. Freitas, que já foi coordenador do curso de Ciências Biológicas e vem acompanhando desde o princípio o processo de reflorestamento do câmpus, destaca que o processo de polinização promovido pelas abelhas é fundamental para manter as relações ecológicas e promover a biodiversidade, contribuindo para o sucesso de outras iniciativas ambientais. “Há décadas a Uniso vem melhorando e aumentando as áreas de vegetação natural no câmpus”, ele relembra. “Assim, nesta fase de restauração dos ambientes naturais, serão importantes não só as iniciativas de reflorestamento com árvores nativas, mas também a reintrodução de espécies animais e vegetais além das próprias árvores. Nessa busca por um novo equilíbrio ecológico, a presença das populações de abelhas sem ferrão pode ser particularmente útil.”

As abelhas são, também, tema de disciplinas diversas voltadas à promoção da produtividade agrícola, marcando presença, portanto, em cursos como a Engenharia Agronômica. A professora doutora Patrícia Favoretto Renci, coordenadora do curso, menciona, a título de exemplo, o estudo das abelhas numa aula sobre fruticultura: “Tomemos como cenário o cultivo do morango; nessa disciplina específica dedicada ao cultivo de frutos, costumo fazer uso de um artigo que analisou as respostas fisiológicas do desenvolvimento do morango e as melhorias em sua qualidade comercial, considerando-se diferentes tratamentos de polinização. De forma geral, a polinização por insetos aumentou o valor comercial médio dos frutos comercializáveis em 92%.” Os estudantes são levados a compreender, portanto, que a relação de mutualismo entre abelhas e plantas cultivadas tem impactos econômicos bastante palpáveis.

O estudante André Ruiz Marra, do curso de graduação em Ciências Biológicas, manuseia uma das colmeias instaladas no Neas, acompanhado pelo professor doutor Heitor Zochio Fischer  - Fernando Rezende
O estudante André Ruiz Marra, do curso de graduação em Ciências Biológicas, manuseia uma das colmeias instaladas no Neas, acompanhado pelo professor doutor Heitor Zochio Fischer (crédito: Fernando Rezende)

Por fim, quanto à extensão envolvendo abelhas sem ferrão, um projeto digno de nota é o Uniso Crop Care Service (UCCS), idealizado em 2019 pelo professor doutor Lucas Mateus Rivero Rodrigues, cuja área de especialidade é a fitopatologia. O projeto, que também conta com a participação de Fischer, teve início efetivo em 2020 e, desde 2021, passou a incluir a comunidade externa, com o objetivo de auxiliar pequenos agricultores da região a manejar ecologicamente doenças e pragas. “No UCCS, nós damos atenção especial às abelhas sem ferrão, pois elas podem ser utilizadas como bioindicadores de um ambiente saudável, com menor concentração de agrotóxicos”, explica Fischer. No futuro, a ideia é que questões relacionadas ao aumento da produtividade agrícola também venham a fazer parte do escopo do projeto, incluindo, dessa forma, a utilização de abelhas sem ferrão para tal fim.

“Ter as abelhas conosco no câmpus cumpre várias funções”, conclui o professor doutor Rogério Augusto Profeta, Reitor da Uniso. “Elas são temas de aulas diversas, em vários cursos, especialmente naqueles relacionados ao meio ambiente, além de promover a educação ambiental em sentido mais amplo, uma vez que sua presença pode pautar o debate público no câmpus. Elas também nos ajudam na empreitada de reflorestar as matas ao nosso redor, aumentando a biodiversidade vegetal, além das aplicações na agricultura, que nós ajudamos, por meio da extensão, a levar aos produtores da região. Tê-las conosco é um pequeno passo, mas que, junto a outras iniciativas, pode ajudar a aumentar a produtividade agrícola sem o uso exacerbado de agrotóxicos. Nesse sentido, as abelhas estão nos fazendo mais favores do que nós somos capazes de retribuir. No fim das contas, elas habitam o câmpus tanto quanto nós, e é importante que sejamos capazes de compartilhá-lo com outras formas de vida, inspirando-nos nas relações mutualísticas que podemos observar na natureza.”

Onde encontrar as colmeias instaladas na Uniso - Divulgação
Onde encontrar as colmeias instaladas na Uniso (crédito: Divulgação)

Para saber mais: as espécies de abelhas presentes no câmpus
São estas as espécies de abelhas sem ferrão cujas colmeias, atualmente, podem ser encontradas no principal câmpus da Uniso: jataí (Tetragonisca angustula), iraí (Nannotrigona testaceicornis), marmelada-amarela (Frieseomellita varia), mirim-droryana (Plebeia droryana), mirim-preguiça (Friesella sp.), canudo (Scaptotrigona depilis) e mandaguari (Scaptotrigona sp.).

Para saber mais: Confira as iniciativas da Uniso pelo reflorestamento
Siga o link: https://uniso.br/unisociencia/r7/reflorestamento-UNISO-biodiversidade.pdf

Leituras recomendadas, para acessar:
Enfraquecimento e perda de colônias de abelhas no Brasil
https://www.scielo.br/j/pab/a/4VHRxQtkhJTQDwcy7WBcHvh/?lang=pt&format=pdf

Insect pollination as a key factor for strawberry physiology and marketable fruit quality
https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0167880918300641?via%3Dihub

Além das informações e declarações institucionais, obtidas a partir das entrevistas com os professores mencionados no texto, a reportagem inclui dados do artigo “Enfraquecimento e perda de colônias de abelhas no Brasil: há casos de CCD?” (2009), dos seguintes pesquisadores (externos à Uniso): Carmen Sílvia Soares Pires (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa), Fábia de Mello Pereira (Embrapa), Maria Teresa do Rêgo Lopes (Embrapa), Roberta Cornélio Ferreira Nocelli (Universidade Federal de São Carlos), Osmar Malaspina (Universidade Estadual Paulista), Jeffery Stuart Pettis (United States Department of Agriculture) e Érica Weinstein Teixeira (Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios). Já o artigo mencionado pela professora doutora Patrícia Favoretto Renci é intitulado “Insect pollination as a key factor for strawberry physiology and marketable fruit quality” (2018), de autoria de Alexander Wietzke e outros pesquisadores (também externos à Uniso).

Texto: Guilherme Profeta

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