João Alvarenga
Em busca da espiritualidade (parte 2)

Em sequência ao assunto do artigo anterior, no qual focamos os limites entre espiritualidade e religiosidade, aprofundaremos esse tema que tanto desperta interesse do ser humano. Nesta abordagem, daremos ênfase a algumas particularidades que envolvem as práticas religiosas em nosso País. Um dos aspectos que mais chamam a atenção dos estudiosos é o “sincretismo religioso”, como veremos ao longo do texto.
De acordo com o babalorixá, André Meireles, foi graças à mescla dos ritos africanos ao catolicismo, “que as tradições trazidas pelos nossos ancestrais pulsam até hoje”. Tanto que para os adeptos das religiões afro-brasileiras, “hoje é dia de festa no mar” porque, como bem diz os versos da canção de Maria Bethânia, é dia de Iemanjá, a “Rainha do Mar”.
Assim, neste dia, vestir-se branco e fazer oferendas com rosas brancas e perfumes de alfazema, a essa divindade, de acordo com Meireles, são práticas que já se tornaram comuns até mesmo entre aqueles que não seguem a Umbanda ou o Candomblé. Assim, devido à combinação de elementos de tradições religiosas, Iemanjá está associada a Nossa Senhora. Isso ocorre, também, com outros orixás. Logo, Ogum é representado por São Jorge; Xangô é São Jerônimo e Iansã, Santa Bárbara, etc.
Porém, nem sempre essa caminhada foi pacífica, pois o preconceito fala mais alto. Tanto que a intolerância religiosa já foi tema de redação do Enem. Segundo o historiador, Leandro Karnal, ao longo dos séculos, povos dominados viram-se na necessidade de conciliar suas crenças às práticas religiosas de povos dominadores. Esse processo levou à fusão de diversas divindades e mitologias, pois os ancestrais sofriam perseguição, devido à desinformação. Até mesmo o Kardecismo, cuja origem é europeia, enfrentou, no início, muita resistência, antes de ser reconhecida como uma opção a mais na caminhada em direção à conexão com o sagrado.
Todavia, é preciso salientar que toda prática religiosa independente do segmento de certo modo, é tautológica, ou seja, implica numa constante repetição de ritos que “fidelizam” os adeptos. Ou seja, os seguidores têm noção do passo a passo de cada momento dos trabalhos desenvolvidos pelos líderes religiosos. Seja numa missa, num culto ou numa “gira de caboclos”, como ocorrem nas regiões de matrizes africanas.
No entanto, guardada as devidas proporções e particulares de cada segmento, a vida espiritual, necessariamente, passa pelas orações, rituais e oferendas ou, até mesmo, jejum intermitente e constantes meditações, dependente da ordem a qual a pessoa esteja vinculada. Tais práticas estão presentes na vida religiosa de milhares pessoas que desejam manter uma constante interação com as deidades de sua devoção. Com que propósito? Trata-se de uma forma salutar de percorrer o caminho da iluminação espiritual, entendido também como salvação.
Inclusive, para alguns estudiosos que observam o comportamento religioso da sociedade, tais práticas não se restringem apenas ao ocidente porque, no oriente, a seu modo, budistas, taoístas, hinduístas e muçulmanos também seguem seus métodos próprios para a prática da religiosidade no cotidiano.
Isso funciona como um exercício permanente pela busca da espiritualidade. Há ordens mais rígidas e outras, nem tanto. Lamentavelmente, em algumas regiões do globo, o radicalismo religioso é visto como uma via dolorosa para se chegar à divindade. Mas, há quem critique tais posturas, pois entendem que, no fundo, não levam à transcendência, mas aprisionam o ser humano ao sofrimento.
Já, no Brasil, por haver a sagrada liberdade de culto, inclusive, defendida pela Constituição, a população dispõe de maior autonomia para escolher a prática que melhor se ajuste a sua busca espiritual. Inclusive, o cidadão pode até “migrar” de um segmento para ou outro, desde que o respeito religioso seja o ponto de partida rumo à iluminação. Bom domingo!
João Alvarenga é professor de redação.