Editorial
Dinheiro tem
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A arrecadação do governo federal fechou o ano de 2024 em R$ 2,709 trilhões, informou, na terça-feira (28), a Receita Federal. Esse é o maior valor registrado na série histórica, iniciada em 1995, e representa um crescimento real de 9,6%, descontada a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), em 2024, contra o ano anterior. Descontada a inflação, o governo arrecadou R$ 2,653 trilhões no ano.
Mesmo assim, o governo Lula fechou 2024 com um déficit primário de R$ 8,9 bilhões. O déficit primário é um indicador fiscal que mede a diferença entre as despesas do governo (exceto os juros da dívida pública) e suas receitas (como impostos, contribuições e outras fontes de arrecadação). Se o resultado for positivo, temos um superávit primário (o governo arrecadou mais do que gastou). Se for negativo, como é o caso do governo brasileiro atual, temos o déficit primário, ou seja, o governo gastou mais do que arrecadou.
Segundo a Receita, o aumento da arrecadação ocorreu principalmente devido à expansão da atividade econômica, que afetou positivamente a arrecadação, e à melhora no recolhimento do PIS/Cofins (Programa de Integração Social/Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) em razão do retorno da tributação incidente sobre os combustíveis, entre outros fatores.
Os números refletem os resultados importantes da política econômica nos últimos anos, da reativação da economia que vimos no ano passado e que culmina com esse resultado espetacular. Tivemos a reativação de setores inteiros da economia que, com esse aquecimento, voltaram a recolher valores relevantes de tributos. A mínima histórica do desemprego no Brasil e o grande aumento da massa salarial têm papel importantíssimo na arrecadação de 2024”, disse o secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas.
Também contribuíram para a arrecadação recorde o crescimento da arrecadação do Imposto de Renda (IRRF Capital) sobre a tributação de fundos e o desempenho do Imposto de Importação e do IPI vinculado à importação, em razão do aumento das alíquotas médias desses tributos.
O governo sabe muito bem de onde vêm suas fontes de arrecadação e gosta de falar sobre o total arrecadado, mas não gosta de tocar no assunto “déficit público” ou “gastar mais do que arrecada”.
E há motivos para isso. Vamos a eles: o governo pode evitar destacar o déficit primário por razões políticas, econômicas e estratégicas, para evitar que os brasileiros tenham a percepção de má gestão fiscal, já que um déficit primário sugere falta de controle nos gastos públicos, o que pode prejudicar a credibilidade do governo diante da população, investidores e mercados financeiros.
Há, ainda, o impacto na confiança do mercado, já que indica que o País precisa se endividar para financiar seus gastos, e isso pode elevar os juros da dívida pública, pois os credores exigem prêmios maiores para compensar o risco. Também há a pressão sobre a taxa de câmbio, desvalorizando a moeda e impactando a inflação.
O desgaste causado pelo déficit primário parece não incomodar o governo, embora a repercussão política também seja negativa. Isso, talvez, tenha explicação no fato de que a interpretação popular sobre a questão é difícil. A maioria das pessoas não está familiarizada com termos como déficit primário ou nominal, tornando difícil explicar o impacto sem gerar confusão. O governo sabe disso e se aproveita, preferindo minimizar a discussão ou deslocar o foco para outras áreas. É fato que os governos tendem a focar em narrativas que mostram avanços econômicos e crescimento, mesmo que existam dificuldades fiscais. É mais comum ouvirmos sobre a arrecadação recorde ou os investimentos sociais, enquanto o déficit primário fica em segundo plano.
O fato é que dinheiro tem. O volume arrecadado em 2024 mostra isso. E por que o cidadão não percebe o retorno do dinheiro pago em impostos em serviços públicos de qualidade? É claro que a ineficiência no uso dos recursos e a falta de reformas estruturais em áreas-chave dificultam a melhoria geral dos serviços, associado à pouca vontade política para mudar essa situação.