Superação
Conheça histórias de quem venceu a luta contra a dependência química
Trabalho desenvolvido pelo Grasa ajuda viciados e familiares a superar a doença crônica progressiva

A dependência química é uma doença crônica progressiva, que assombra o cotidiano de muitas famílias. O uso desenfreado de substâncias psicoativas, como álcool e drogas, alteram o funcionamento do cérebro e tornam o indivíduo incapaz de agir por si. O dependente, portanto, perde o controle de todas as áreas de sua vida e se torna refém dos estimulantes.
M.A. (como preferiu se identificar), de 31 anos, possuía uma rotina agitada. Durante o dia, trabalhava em uma multinacional e, à noite, seu tempo era dedicado à faculdade. A maconha também fazia parte da sua rotina, no entanto, apenas socialmente aos finais de semana. Ele tinha 15 anos quando experimentou a droga pela primeira vez, mas a verdadeira mudança aconteceu aos 18 anos, no momento em que a cocaína entrou na sua vida.
O pó branco funcionava no seu organismo como um estimulante, lhe dava coragem e energia para encarar o dia a dia. “A cocaína era a minha amiga diária; com ela eu me sentia um super-herói, capaz de enfrentar tudo”, conta.
Ele começou a consumir cada vez mais e, sem perceber, se tornou escravo da substância. Em sua mente, M.A. acreditava ser capaz de parar quando quisesse, mas não era verdade. “Chegou um momento em que estar sob o efeito da cocaína se tornou o meu habitual, eu não sabia e nem conseguia ser de outro jeito. Às vezes acabavam as minhas porções e eu não tinha dinheiro para comprar mais, porém, no dia seguinte teria que enfrentar as pessoas. Como eu faria isso de cara limpa? Era muito difícil, eu precisava de mais uma”, relata.
A psicóloga Patrícia das Graças Santos explica que as substâncias químicas ativam o sistema de recompensa cerebral. “Na primeira vez, a droga aciona o sistema do prazer no cérebro e, conforme o tempo, a pessoa usa cada vez mais, devido à sensação agradável proporcionada. Contudo, chega um determinado momento em que esse sistema se torna dependente dessa química externa e, consequentemente, a pessoa se torna um adicto”, aponta.
No caso de M.A., foi a sua família que percebeu o vício. Embora não exista cura para a dependência química, há tratamento. Neste cenário, o profissional de segurança foi apresentado ao Grupo de Combate à Droga e Álcool Santo Antônio (Grasa), onde já passou por três internações.
“Na primeira, em 2019, eu estava insustentável e vim apenas por causa da família. Durante o tratamento de cinco meses, aprendi sobre a doença e o que é ser adicto”, conta M.A.. “Hoje eu vejo que, nessa passagem, entendi sobre a dependência e foi bom, eu consegui dois anos sóbrios”.
De acordo com Patrícia Santos, o melhor tratamento para o vício é evitar qualquer substância química, seja ela o seu estimulante ou não. M.A. sabia dessa regra, entretanto, os dois anos limpos criaram uma falsa sensação de controle. “Nós, dependentes químicos, precisamos de um padrão de vida, temos que evitar e abdicar de muitas coisas para viver uma vida sem drogas. Eu não conseguia fazer o básico, que era evitar hábitos, pessoas e lugares que despertavam os gatilhos da droga em mim”, explica.
O que começou socialmente, um ou dois pinos de cocaína somente aos finais de semana, se tornou algo desenfreado em pouco tempo. Com os conhecimentos que adquiriu no Grasa, M.A. identificou os sinais do uso abusivo e, por vontade própria, voltou ao grupo de apoio para a segunda internação. A passagem durou um pouco menos de um mês, pois, segundo o profissional de segurança, não tinha propósito. Já a terceira aconteceu no ano passado.
Atualmente, M.A. está em sua quarta internação com o desejo de se aproximar de Deus. “Agora está sendo totalmente diferente. As outras internações foram válidas porque eu aprendi muito, mas essa é diferente porque estou buscando o espiritual. Hoje sei que o ser humano é falho e sozinho eu não consigo; foram as minhas escolhas que me trouxeram aqui”, finaliza.
Apoio familiar
Codependentes é o termo usado para os familiares e amigos próximos do dependente químico, que também têm as suas vidas afetadas. Na história de M.A., são seus irmãos e a sua mãe que acompanham a sua luta contra o vício há 13 anos.
“O papel da família é fundamental para mim, afinal, foram eles que me trouxeram até o Grasa na primeira vez”, aponta o interno. “Chegou um momento em que eu perdi tudo, mas minha mãe nunca me abandonou, mesmo sofrendo julgamentos da família. Ela diz que me conhece e sabe que eu não sou assim e, portanto, vai estar comigo até o fim”.
Os irmãos, por sua vez, precisaram se afastar em um determinado período, pois a situação estava insustentável. “Eles não me abandonaram, só deixaram que eu quebrasse a cara sozinho para aprender. A vida familiar deles também era afetada. Por exemplo, tinham discussões com as esposas e faziam empréstimos para me ajudar. Até hoje eu tenho dívida com eles”, relata M.A..
Pelos olhos da mãe
Entender que as escolhas do filho não são sua culpa foi uma das coisas mais difíceis para Adriana (nome fictício). O rapaz tinha entre 17 e 18 anos quando entrou para o mundo das drogas e, logo depois, conheceu o fundo do poço. O lugar sombrio e obscuro, no entanto, carrega um sentimento diferente para uma mãe.
“É muito difícil ver aquela criança, que foi criada com tanto amor e carinho, perdida em um vício. A princípio pensamos que falhamos com ela”, define Adriana. “É uma sensação de impotência, às vezes falta o ar e parece que não vamos aguentar, mas, no final do dia, nós sempre aguentamos”.
A culpa foi companheira fiel de Adriana durante um bom tempo, a única em uma jornada solitária e angustiante. “É muito difícil assumir perante as pessoas a dependência do seu filho devido às críticas, muitos apontam o dedo. Eu não escolhi ter um filho dependente químico e muito menos ensinei meu filho a usar drogas, muito pelo contrário, eu criei meu filho na igreja”, relata.
Contudo, tudo mudou quando Adriana encontrou o Grasa, em 2012. Graças às reuniões semanais, Adriana encontrou muito além de uma rede de apoio; encontrou uma família. Sentada em um círculo formado por outras pessoas aflitas, ela conhecia histórias parecidas com a sua e compartilhava suas angústias. Palestras informativas também ajudavam a codependente entender mais sobre a doença crônica do filho.
“Era muito bom, porque nós, mães de dependentes químicos, nos sentimos muito sozinhas neste submundo. Naquela sala, ninguém resolvia o meu problema, mas todos me ouviam. Às vezes, nós precisamos apenas de um ouvido que nos ouça”, aponta Adriana. “E quando não tínhamos nenhum conselho para dar, nós chorávamos e rezávamos juntas. Dessa forma, ganhávamos forças para encarar mais uma semana”.
Atualmente, Adriana reconhece não somente a importância fundamental da rede de apoio, mas também compreende que as escolhas do filho não são sua culpa. “A responsabilidade do rumo que o meu filho escolheu é dele. Já a dor e a frustração são minhas, pois sei de suas escolhas erradas e não posso fazer nada a respeito. Contudo, eu tenho fé e acredito em Deus. Talvez nós, as mães, sejamos o ‘Evangelho’ vivo para nossos filhos, uma palavra de amor, de perdão e transformação”, finaliza.
História transformada
“Eu tive um bom emprego, tinha uma família com a minha esposa e os meus dois filhos, mas, devido ao consumo excessivo de álcool, acabei perdendo tudo”, relata Luiz Antônio de Barros, de 47 anos.
A história dele é semelhante à de muitos outros dependentes químicos que conheceram o fundo do poço. No seu caso, o álcool foi a porta de entrada para outras drogas, como o crack e a cocaína, ambas apresentadas pelos seus “amigos”. Pouco a pouco, o vício foi consumindo o pai de família e Luiz se distanciou de si e do resto da sociedade.
“Minha esposa me deixou, meus filhos se afastaram — afinal, não queriam ver o pai naquelas condições —, e meus avós, que me criaram, faleceram”, conta. “Apesar de ter uma boa casa, eu preferia ficar na rua, sozinho com as drogas. Esse era o meu fundo do poço”, relata.
No dia 21 de janeiro de 2019, o primeiro feixe de luz apareceu na vida do Luiz, quando conheceu o Grupo de Combate à Droga e Álcool Santo Antônio. Com a internação de cinco meses, ele conseguiu traçar um novo projeto de vida.
“Aqui eu resgatei minha dignidade e alcancei coisas que jamais imaginei. Por exemplo, tirei a carteira de motorista e comprei um apartamento. Tudo isso graças ao Grasa e às pessoas que me acolheram”, afirma.
Hoje, após cinco anos, Luiz recuperou o contato com os filhos, se tornou amigo da ex-esposa e trabalha como zelador no grupo que tanto o ajudou. “O meu propósito é ajudar as pessoas que estão passando pelo o que eu passei. Eu levo a minha história para mostrar que é possível sair do vício, ter uma nova vida, uma transformação”, conclui o ex-drogado, com um sorriso. (Beatriz Falcão)
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