João Alvarenga
Um teto para chamar de seu

Dizem quem casa quer casa! Na verdade, esse antigo provérbio, em tese, não perdeu o sentido em nossas vidas. Também não se aplica apenas a quem deseja formar uma família, mas a todo ser humano que pretende ter um lugar fixo para permanecer, seja por uns dias ou para sempre. Ainda que estejamos inseridos numa sociedade hit tech, em que quase tudo agora é digital, a casa é o nosso ponto de referência, no qual nos sentimos, de fato, acolhidos, pois onde moramos é mais do que um simples abrigo, é o nosso lar. A casa — seja ela de madeira ou alvenaria (mansão ou casebre) — é o espaço sagrado de cada família, no qual construímos nossos laços afetivos. Sob nossos telhados, também estabelecemos limites: ninguém deve ultrapassar do portão pra dentro, se não foi convidado.
No fundo, é em nossas moradias que acumulamos nossas memórias e histórico de vida. É na casa, mesmo modesta, que temos o sentimento de pertencimento e aconchego. Entre quatro paredes, compartilhamos nossos sonhos, alegrias e guardamos nossos segredos. E, quando o carteiro passa, entregando correspondência, percebemos que somos cidadãos, não por moramos numa cidade, mas porque temos uma identidade. O nome de nossa rua e número de nossa residência é como se fossem o RG e o CPF de nossa casa.
Embora isso pareça óbvio, infelizmente, mais de trezentas mil brasileiros, conforme noticiado, no último domingo, neste jornal, não tem um teto para chamar de seu. Ou seja, moram em estado de absoluto abandono, pelas ruas do Brasil. Sem eira nem beira, estão longe do sentido exato da palavra cidadania. Mesmo que a Constituição de 1988 estabeleça o direito à moradia, uma massa de gente nunca realizou o sonho da casa própria. Nem sequer consegue obter um financiamento a baixíssimo custo, para comprar o imóvel desejado. Afinal, não contam com uma renda fixa (emprego e salário) para honrar tal compromisso com os bancos. Pois, se o financiado não paga, o bem volta ao financiador.
Assim, essa massa, que as autoridades rotulam de “pessoas em situação de rua”, (um mero eufemismo), não tem um mínimo espaço em que possa sentir algum vestígio de segurança. Nem se quer dispõem daquele cantinho privativo (que todas as casas têm), que só os mais íntimos adentram. Mas, qual é o perfil dessa população? Segundo um levantamento da Universidade Federal de Minas Gerais, o contingente é composto por crianças, jovens, adultos (homens e mulheres), além de idosos. Detalhe: quanto mais anunciam ajuda, mais o quadro se agrava. Por quê? Com a palavra as autoridades. O fato é que muitos retiram o sustento dos reciclados. Mas, o ganho é insuficiente. Há, ainda, históricos de dependência química, rupturas familiares e perdas financeiras. Isso se agravou com a pandeia.
Diariamente, convivem com todo o tipo de privação, pois não têm grana pra nada. Também estão expostos a todo tipo de riscos. Já foram registrados casos horríveis de alguns recicladores que, enquanto dormiam, foram incendiados por jovens arruaceiros. Até índio já foi alvo de tal absurdo. Geralmente, essas ações violentas são praticadas por quem se sente incomodado com a presença de mendigos, principalmente nos chamados “bairros nobres”. Xingamentos e agressões são comuns.
Assim, dormem debaixo de marquises ou bancos de praças. Quando amanhece, as buzinas os despertam. Sem café, perambulam a esmo. Logo, a vida deles não é nada fácil. Cuidar da higiene pessoal é algo impossível nesse cenário. Coisas simples, como: lavar o rosto, escovar os dentes ou tomar banho são atos impensáveis. Às vezes, abandonam a roupa do corpo porque não tem como lavar. E as necessidades físicas? Tudo isso pesa contra eles, no quesito aparência e odor. Por isso, em alguns lugares, são vistos como ameaças.
Todavia, no fundo, não passam de pobres brasileiros abandonados pela sorte, nesta vida, tentando sobreviver em meio a tantas adversidades. Bom domingo!
João Alvarenga é professor de redação.