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Games atrapalham os estudos?

Artigo escrito por Angélica Caniello

21 de Maio de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Angélica Caniello.
Angélica Caniello. (Crédito: Arquivo Pessoal)

 

Em tempos de pandemia, a quantidade de pessoas que dedica parte da sua rotina jogando games cresceu de forma significativa. A comprovação da popularidade dos jogos eletrônicos está nos números: em 2020, o faturamento dessa indústria de entretenimento cresceu 12% em relação ao ano anterior, atingindo uma receita de 126,6 bilhões de dólares, segundo pesquisa da Nielsen Games.

A necessidade de isolamento social e o desejo de diversão foram uma combinação muito propícia para que se intensificasse a busca por essa alternativa de recreação. O que muitos se perguntam -- principalmente familiares de crianças e jovens em idade escolar -- é se esse lazer pode interferir de forma negativa no desempenho acadêmico. Uma preocupação que aumenta de forma proporcional ao tempo de exposição à tela de jogo. Mas, assim como para qualquer outro produto midiático, os games não são, por si só, bons ou ruins; tudo vai depender do uso que se faz deles. Se o consumo é excessivo e o usuário não consegue conciliá-lo com os compromissos do dia a dia, pode se tornar um vício. De fato, em 2018, a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a considerar o vício em videogame um problema de saúde mental.

Uma outra preocupação com os games é associada aos conteúdos e formatos. A solução para essa inquietação exige uma participação ativa dos familiares nas escolhas por tipos de games que sejam benéficos, privilegiando aqueles capazes de desenvolver competências cognitivas exigidas pela nossa sociedade. E que sejam divertidos, para que se queira jogar.

Em ocasião do meu mestrado, pesquisei os games voltados para a educação, com o objetivo de avaliá-los quanto ao potencial de propiciar uma aprendizagem significativa. Entre os resultados, foi destacado que um bom game pode contribuir muito enquanto ferramenta educativa, pois tem o potencial de trazer vários benefícios, entre os quais: estimular os diferentes sentidos; expor novas situações como forma de incentivar a solução de problemas; desenvolver a habilidade de improvisar, explorar e descobrir; motivar o espírito colaborativo através do compartilhamento de conhecimento e comparação de opiniões diferentes. E tudo isso o jogador aprende sem nem perceber, tão envolvido pelo prazer de jogar. Isso porque diversão e educação não são caminhos opostos, ou ao menos não deveriam ser. Os jogos agradam justamente porque propiciam diversão, aliviam o estresse e, na versão online multiplayer, reúnem amigos, mesmo que virtualmente.

Voltando à pergunta contida no título deste texto, eu diria que um bom game pode enriquecer, e muito, a aprendizagem dos nossos alunos. Porém, os games não são todos iguais e o grande desafio, portanto, está na escolha de bons títulos.

De forma provocatória, o educador Rubem Alves escreveu em um jornal que, antes de entrar numa escola, alunos e professores deveriam passar por uma cozinha, pois a verdadeira cozinheira é aquela que sabe a arte de produzir fome: “Toda experiência de aprendizagem se inicia com uma experiência afetiva. É a fome que põe em funcionamento o aparelho pensador. Fome é afeto. Não confundir afeto com beijinhos e carinhos. Afeto, do latim “affetare”, quer dizer “ir atrás”. (Citação extraída da Folha de São Paulo, 29/10/2002).

O game pode ser esse alimento, no modo de dizer de Rubem Alves, capaz de produzir curiosidade e fome de aprender. E o desejo de aprender é o ponto de partida da diversão e do prazer lúdico do jogo. Não são, portanto, concepções divergentes. O ato de jogar é tão antigo quanto o homem e faz parte da sua própria essência.

Angélica Caniello, doutoranda e professora da Uniso ([email protected])