O abuso de álcool e a nossa responsabilidade no trânsito
Éric Diego Barioni
Em 2015, muitos países adotaram uma nova agenda de desenvolvimento, que se baseou nos objetivos do milênio, e que foi denominada Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Dos 17 objetivos para transformar o mundo, o terceiro -- saúde e bem-estar, possui como uma de suas metas, até 2020, reduzir pela metade as mortes e os ferimentos globais por acidentes em estradas. No entanto, muitos são os fatores que contribuem para os acidentes de trânsito com vítimas fatais, como: erros humanos, velocidade, não utilização de capacetes, cintos de segurança e sistemas de retenção para crianças, direção distraída, infraestrutura viária insegura, veículos inseguros, atenção inapropriada após acidentes, cumprimento insuficiente das normas/leis de trânsito e condução sob influência de álcool e outras substâncias.
Poderíamos aqui discorrer sobre muitos dos fatores de risco que foram citados acima, e que contribuem positivamente para a ocorrência de acidentes de trânsito com vítimas fatais; aliás, todos estes fatores são evitáveis e muitos dependem exclusivamente de nosso comportamento, entretanto, quero chamar a sua atenção para um único fator.
Com a política de tolerância zero para o consumo de álcool por motoristas, é importante a consciência que uma lata de cerveja com álcool ou taça de vinho produzem uma alcoolemia que se aproxima de 0,2g/l. Esta concentração, além de alterar consideravelmente as habilidades de atenção, aumenta de 2,6 a 4,6 vezes o risco de acidentes com vítimas fatais.
Em Sorocaba, considerando os meses de janeiro a junho, o total de óbitos por acidentes de trânsito em vias municipais e rodovias foi de 42 em 2018, 44 em 2019 e 51 mortes em 2020. Ainda que pela pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2 o distanciamento social e o fechamento do comércio tenham reduzido a circulação de pessoas e o fluxo de veículos, isso não foi suficiente, segundo os dados que foram extraídos do painel de resultados Infosiga, para diminuir o número de óbitos no trânsito. Infelizmente, a maioria das vítimas fatais -- que eram condutores do sexo masculino e tinham idade entre 18 e 24 anos --, por colisão, choque ou atropelamento, no momento do acidente, pilotavam motocicleta ou eram pedestres; e, em terceira e quarta posições, aparecem as vítimas que conduziam automóveis e bicicletas, respectivamente.
Para que possamos compreender o comportamento de nossos semelhantes e também para que possamos pensar no desenvolvimento de políticas públicas, vale ressaltar aqui os dados que foram obtidos em 2019 pela pesquisa Vigitel. Segundo a pesquisa, a frequência de adultos que referiram conduzir veículos motorizados após o consumo de bebidas alcoólicas (qualquer quantidade) em São Paulo foi de 5,4%, variando em 10% para homens e 2% para mulheres. Valores diferentes, independentemente de sexo, foram encontrados para Recife (1,6%) e Palmas (14,4%). A pesquisa mostrou ainda que a frequência de dirigir após o consumo de bebida alcoólica diminui a partir dos 35 anos de idade em mulheres e 45 anos de idade em homens, e que a condução de veículos após o consumo de álcool aumenta intensamente com o nível de escolaridade. Ainda que em São Paulo tal frequência se apresente em 5,4%, a variação temporal do indicador -- de 2006 a 2019, na totalidade das 26 capitais dos Estados brasileiros e Distrito Federal, evoluiu de maneira desfavorável, indicando que o consumo abusivo de álcool no Brasil, infelizmente, não tem diminuído.
Éric Diego Barioni é professor doutor e coordenador do curso de Biomedicina da Uniso, e Conselheiro do Conselho Regional de Biomedicina da 1ª Região (CRBM-1). ([email protected])