Nelson Fonseca Neto
Redondeza
No sábado, último dia 27, aconteceu algo interessante comigo. Eu estava voltado a pé pra casa perto da hora do almoço. Uma família (papai, mamãe e dois pimpolhos) estava pra entrar no prédio que dá de frente pro meu. A mulher estava de mãos dadas com as crianças, o homem carregava nos ombros um cooler (pela animação do cara, lotado de cerveja). Tava na cara que a turma estava chegando pro aniversário de alguém.
Aí, já viu, né? Sábado, hora do almoço, o pensamento vê uma besteira passando e pega carona feliz. Comecei a traçar um perfil etário do prédio da frente. Sei que lá mora muita gente que está na minha faixa etária. Muitos afirmariam: gente jovem, você quer dizer. Há divergências. Eu não me considero jovem, mas isso é outra história.
Como eu sei da faixa etária dos moradores do prédio da frente? Muito simples: sempre dá pra ouvir gente batendo papo ali. Pela animação, um povo bem festeiro, enchendo a cara. Como dá pra saber que estão enchendo a cara? Pessoas sóbrias não soltam um “Timããão, eô!” do nada.
Acho que já falei aqui que as janelas do nosso apartamento dão pro Ipanema Clube. Ouvimos muito pouco os barulhos da rua Sete de Setembro, o que é uma sorte gigantesca. Não ouvimos os ônibus reduzindo a marcha, não ouvimos as motos destrambelhadas acelerando como se não houvesse amanhã, não ouvimos os barulhos da obra que rola logo ali. Quer dizer, ouvimos por um pedaço da janela da área de serviço, nada que atrapalhe o sossego do lar, mas o suficiente pra sentirmos o drama de quem mora de frente pra rua Sete.
E assim notamos que o prédio da frente tem muito mais festeiros que o nosso. Por aqui, quase todos os moradores são mais velhos que a gente, e os que são da nossa idade não são muito de fazer folia. Aí eu pensei: como seria se estivéssemos rodeados de gente da nossa idade que adora se reunir? O pensamento durou alguns segundos, e aí veio o agradecimento: Obrigado, Senhor, pelos vizinhos que temos!
Vira e mexe a gente ouve histórias envolvendo tretas entre vizinhos. Temos sorte, muita sorte, pois o pessoal aqui do prédio é de uma simpatia absurda. Sabe, um pessoal gente fina mesmo, e não estou fazendo média. Vou ficar num exemplo: o seu Pascoal e a Rose, que dividem o andar com a gente. Viraram nossos amigos desde quando chegamos aqui em 2016. Paparicam o João Pedro desde quando ele era um bebezinho. Hoje, vira e mexe, o João pede pra ir ao apartamento da Rose e do Pascoal. Tem vez que ele vai até a porta deles e dá umas batidas querendo entrar. Pouco folgado o rapaz.
O mais legal disso é que eu conheço o Pascoal desde o início dos anos 2000. Naquela época nós estudávamos francês numa ótima escolinha. A professora/dona era a Valérie, uma figura impagável, sarrista até dizer chega. Desde aquela época que eu vou com a cara do Pascoal, e foi uma alegria saber, em 2016, que apenas uma parede separava nossos apartamentos.
Eu acabei de escrever sobre a escolinha de francês e uma lembrança brilhou forte. Não posso deixar passar. Numa aula, a Valérie perguntou a cada um de nós a respeito de coisas estranhas que já tínhamos vivido. Éramos em oito ou nove pessoas ali. Não lembro o que respondi e não lembro o que os outros responderam, exceto uma menina. Ela falou que sempre deixava uma maçã, no quarto dela, pra um gnomo comer à noite. Mas teve uma vez em que o gnomo não comeu a maçã. E aquilo teria sido muito estranho.
A gente tinha que conversar em francês nas aulas. Quando ouvi a história do gnomo, pensei que a minha compreensão do francês precisava melhorar urgentemente. Depois da aula, já liberados para as conversas em português, perguntei pra menina sobre a história do gnomo. Eu tinha entendido corretamente na primeira vez. A menina estava perplexa porque o gnomo deixou de comer a maçã numa das noites. Acho que consegui disfarçar meu pânico naquela hora.
Agora, vou lá na janela dar um oi pro Pascoal.