Press Enter and then Control plus Dot for Audio
Sorocaba, Sábado, 22 de Março de 2025

Buscar no Cruzeiro

Buscar

Alexandre Garcia

Do Oiapoque ao Chuí

20 de Março de 2025 às 22:00
.
. (Crédito: FREEPIK)

Democracia é a voz do povo. Só quem não é democrata discorda dessa verdade. O corolário dessa verdade é que se não houver a voz do povo, livre, não há democracia. A censura que restringe a liberdade de expressão e opinião é vedada na Constituição do Brasil. Como se expressa a voz do povo? Pela fala em lugares públicos. E, graças aos avanços digitais, pelas redes sociais, que ampliam, turbinam, potencializam a voz de cada pessoa, que ganha alcance universal. Há uma diferença, não há como não reconhecer, entre a voz nas redes e a voz na mídia tradicional. A mídia tradicional escolhe o que o povo pode receber como informação, ou o que é preciso informar ao povo. Nas redes, o povo é quem escolhe o que receber e o que descartar; é o exercício do discernimento de cada um, que também pode participar com sua voz. Volta e meia ministros do Supremo pregam “regulamentação das redes sociais”, além do que já está na lei, o Marco Civil da Internet, em vigor há 11 anos. Censura em nome da democracia.

Comemorou-se “40 anos de democracia”. No primeiro dia desse período já passaram por cima da Constituição, quando um general que se disse dono do episódio, foi decisivo para que não assumisse o presidente da Câmara, tal como está nos art. 78 e 79 da Constituição de 1967, então vigente. O general Leônidas Pires Gonçalves, indicado para ministro do Exército, afirmou que não daria posse a quem comparara Geisel a Idi Amin Dada, o ditador de Uganda. Se referia ao presidente da Câmara, Ulysses Guimarães, que deveria assumir na vacância do presidente, e convocar eleições em 30 dias. O eleito, Tancredo Neves, estava hospitalizado e Sarney era vice e substituto de alguém que ainda não era presidente. Sarney assumiu e assim começou. No seu Plano Cruzado, eram presos arbitrariamente gerentes de supermercado e de farmácia e a polícia entrava nos pastos para prender boi gordo. E se fez uma nova Constituição, a cidadã. No dia da Promulgação, Sarney me disse, em entrevista: “Com essa Constituição, o Brasil fica ingovernável”.

Veio Collor e congelou poupanças e depósitos acima de 50 mil cruzados novos (cerca de 7.200 reais). Um atentado à democracia, aprovado depois no Congresso. Em dois anos, recebeu impeachment no Senado, mesmo tendo renunciado horas antes; ainda assim, ficou inelegível por oito anos, como manda a Constituição. No impeachment de Dilma, o que está no art. 52 não valeu, e ela não ficou inelegível, mas foi reprovada pelos mineiros em sua candidatura ao Senado. Ficou em quarto lugar. Sabotaram a Constituição no Senado, em julgamento conduzido pelo guardião dela, o presidente do Supremo, e o povo precisou corrigir nas urnas. Nos governos petistas, o mensalão e a lava jato mostraram que a democracia fica disforme quando o dinheiro de estatais e dos impostos do povo é desviado para políticos e seus partidos. Tudo isso nesses democráticos 40 anos.

Nos últimos seis anos desses “40 de democracia”, vigorou o “Inquérito do Fim do Mundo”, passando por cima da iniciativa do Ministério Público, do devido processo legal, da ampla defesa, do juiz natural, da vedação à censura e ao juízo de exceção. O queixoso investiga, denuncia, julga e manda executar. Pessoas e instituições e partidos que concordam com isso, expõem um silêncio hipócrita, pois continuam falando em democracia e condenando “atos antidemocráticos”. Desobedecer a Constituição que se jurou cumprir é crime mais grave que um quebra-quebra. Com os desdobramentos do inquérito de exceção na política e no cotidiano, o País passou a sofrer a derrogação dos direitos e garantias fundamentais e da inviolabilidade dos representantes do povo por suas palavras e opiniões. Parafraseando Churchill, uma cortina cor de toga baixou sobre o Brasil, do Oiapoque ao Chuí.

Alexandre Garcia é jornalista