Editorial
Apostas, doações à campanha eleitoral e o Bolsa Família

O governo federal enche a boca para dizer que o Bolsa Família é o maior programa de transferência de renda do Brasil, reconhecido internacionalmente por já ter tirado milhões de famílias da fome. Será que é bem assim, ou a situação se enquadra no famoso ditado popular “por fora bela viola, por dentro pão bolorento!”?
Para ter direito ao Bolsa Família, a principal regra é que a renda de cada pessoa da família seja de, no máximo, R$ 218 por mês. Em fevereiro de 2025, um total de 20,56 milhões de famílias em todo o País receberam juntas R$ 13,8 bilhões. Uma das maiores críticas ao programa é que ele “dá o peixe, mas não ensina a pescar”. Daí entra uma roda viva de dependência financeira do Estado como se não houvesse amanhã. Até parece que isso é bom para os dois lados: quem recebe e quem paga. Afinal, devido ao caráter assistencialista do benefício, em vez de estimular as famílias assistidas a ingressarem no mercado de trabalho, o Estado as sustenta com uma renda permanente. Dependentes do governo, esses brasileiros tornam-se reféns de políticos que usam o programa com fins eleitorais. Simples assim.
Outro problema é como parte das famílias usam esses recursos. O uso “adequado” do recurso passa pela compra de comida, vestuário e outras necessidades básicas, principalmente de idosos e crianças. Nem sempre é assim que acontece.
No final do ano passado, parlamentares de direita chamaram a atenção da sociedade e das autoridades sobre o crescimento de apostas on-line no Brasil feitas com o dinheiro do Bolsa Família. À época, em novembro de 2024, o Banco Central, informou que, apenas em agosto daquele ano, cinco milhões de beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões em plataformas digitais de apostas. Um absurdo.
Houve uma grande mobilização sobre o que fazer para conter essa prática, mas pouco — ou quase nada — foi colocado efetivamente em prática. Com eficiência, só pararam de tornar público o quanto do dinheiro social vai para o mundo das apostas, o que também evidencia que parte das famílias beneficiadas não estão muito preocupadas se o dinheiro vai dar para comprar o básico.
O risco de perder o benefício em jogos de azar pode agravar a situação financeira da família, tornando-se um problema social. Há debates sobre a necessidade de maior controle sobre o uso do dinheiro, mas também há o argumento de que as pessoas têm autonomia para decidir como gastá-lo.
Agora, outra questão veio a público a partir da tramitação do projeto de lei 4186/24, do deputado Gustavo Gayer (PL-GO), que proíbe beneficiários do Bolsa Família de usarem os valores recebidos para fazer doações em campanhas eleitorais. A vedação vale tanto para o titular do benefício como para familiares.
Pela proposta, o beneficiário que tentar fazer doação terá o Bolsa Família suspenso ou cancelado. O texto, está em análise na Câmara dos Deputados, e altera a Lei das Eleições e a Lei do Programa Bolsa Família para estabelecer a proibição, afinal, pela legislação vigente, beneficiários do Bolsa Família podem doar para campanhas, mas há um limite proporcional à renda. O problema é quando há coerção ou uso de beneficiários para lavar dinheiro em esquemas eleitorais, o que pode caracterizar abuso de poder econômico.
Segundo o parlamentar autor da matéria legislativa, o desvio do recurso para abastecer campanhas eleitorais desvirtua o propósito do programa de distribuição de renda, “compromete a qualidade de vida das famílias beneficiárias e agrava a situação de miserabilidade que o programa objetiva minimizar”.
Em 2024, beneficiários do Bolsa Família doaram mais de R$ 652 mil a candidatos a prefeito e vereador, segundo dados de prestação de contas das campanhas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
De modo geral, a discussão envolve a autonomia dos beneficiários, a responsabilidade no uso do dinheiro e a fiscalização para evitar fraudes e mau uso do recurso público.
A proposta será analisada pelas comissões de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família e de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados e, depois, seguirá para o Plenário. Para virar lei, a proposta precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado.