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Nelson Fonseca Neto

Na palma da mão

20 de Fevereiro de 2025 às 21:30
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. (Crédito: REPRODUÇÃO)

 

Sei que tem aluno lendo isto aqui, mas entrei numas de falar a verdade sobre a minha trajetória de leitor. Seria muita picaretagem da minha parte dizer que eu era uma criança que não tirava os olhos dos livros do Monteiro Lobato. Também seria muita picaretagem dizer que eu era um adolescente que devorava as páginas de Machado de Assis.

Juro que o que eu vou contar agora aconteceu: eu já era professor, e um colega de trabalho dizia não entender como a moçada de doze ou treze anos não conseguia amar Machado de Assis. Na hora eu parei pra pensar se tinha entendido bem. É que eu acho o contrário. Existe alguém na faixa dos doze, treze anos que ama Machado de Assis?

Aqui eu tenho que tomar um cuidado do cão. Quer dizer então que o cronista/professor de português detesta Machado de Assis? Não, acho que ele é o máximo. Volto a ele todos os anos. Farei isso até o fim dos meus dias. Sempre vou achar coisas sensacionais ali. Mas essa empolgação estava longe de rolar aos doze, treze anos. Eu lia gibi, jogava bola, ia a uns bailinhos grotescos, alugava uns cartuchos de Nintendo.

Vamos ser didáticos aqui: a coisa engrenou comigo, em termos literários, na virada dos dezesseis pros dezessete anos. Não parou de lá pra cá. Virou vício, mas eu já disse isso na semana passada.

Tem livro pra caramba aqui em casa. Chegamos ao ponto de saturação. Não cabe mais nada nas estantes. Sem contar que milhares de livros estão em mais de cem caixas guardadas num outro lugar. Digo isso porque acho importante desfazer outra impressão equivocada: a de que sou um amante incondicional do livro impresso.

Já fui, claro. Sonhava em morar num lugar estiloso que abrigasse uma biblioteca enorme, meio como a do Umberto Eco. Aí veio uma coisa chamada realidade e mostrou que muito livro pode virar um tormento.

Em 2018 a Patrícia deu um Kindle de presente pra mim. Pensei que seria só um quebra-galho. Ainda bem que não foi. Adaptei-me rapidinho com a parada. Hoje eu leio mais livros eletrônicos. Tem gente que vem perguntar se eu não sinto falta do cheirinho do livro. Aí eu tenho de dizer uma coisa meio desgradável: chega uma hora em que o cheirinho do livro vem com retrogosto de ácaro.

Pesa também nessa minha migração do livro impresso pro livro eletrônico um treco etário, oftalmológico. Quando cruzamos a fronteira dos quarenta, não nos deparamos apenas com os joelhos estalando de um jeito estranho: precisamos de óculos pra leitura. Antes era fácil enfrentar um livro com letra miúda e diagramação apertada. Hoje dá uma preguiça monumental.

Thomas Pynchon é um dos meus autores preferidos. Ele é doido demais. O problema é que ele gosta de escrever uns romances de quase mil páginas. Um deles, “Contra o dia”, tem mais de mil. Tenho a versão impressa aqui em casa. Perdi a conta de quantas vezes tentei engrenar a leitura e parei nas primeiras páginas. Não que a história fosse chata. Pô, é o Thomas Pynchon! Não tem como ser chato, meu irmão. O lance estranho estava na diagramação macabra.

Aí, ontem, baixei a versão eletrônica. Letrona, espaço bom entre as linhas. Não parei de ler. Não tem o cheirinho do papel, mas tenho lidado bem com isso.