Violência infantil
Casos de agressão contra filhos se tornam comuns
Três crimes de tortura cujas vítimas eram crianças e adolescentes aconteceram na região
As agressões de pais ou responsáveis contra os próprios filhos ou outros parentes podem estar ligadas à ideia errada de que violência é uma forma de educar, quase como uma questão cultural. É o que dizem uma psicóloga e uma advogada ouvidas pelo Cruzeiro do Sul. Segundo as especialistas mesmo com todas as mudanças e avanços sociais, casos de maus-tratos contra crianças e adolescentes, praticados pelos responsáveis, são frequentes. Recentemente, três crimes desse tipo ocorreram em cidades da Região Metropolitana de Sorocaba (RMS) e chocaram pela crueldade.
Em Araçariguama, no último dia 22, um casal - mãe e padrasto - foi preso suspeito de agredir e torturar dois meninos, de 11 e 14 anos. Em depoimento à Polícia Civil, a mulher confessou a violência e relatou que ela e o marido batiam nas vítimas frequentemente. O homem usava, inclusive, mangueira, cinto e pedaço de pau. Quando foram resgatados, eles apresentavam diversos ferimentos pelo corpos.
Itu também foi cenário de uma situação semelhante. Em 2 de maio, o Conselho Tutelar da cidade recebeu a denúncia sobre um casal suspeito de maltratar e torturar o filho, de 11 anos. Na ocasião, os pais fugiram, mas foram capturados após alguns dias, em Uberlândia, Minas Gerais. Outro caso foi em 9 de dezembro de 2021, quando três irmãos - de 4, 7 e 11 anos - foram resgatados da casa de dos tios, em São Roque, pela mesma razão. As crianças já haviam sido retiradas da mãe porque ela também as agredia. Os suspeitos estão foragidos até hoje.
Questão cultural
Para a psicóloga escolar Cristina D’Antona Bachert, professora do curso de psicologia da Universidade de Sorocaba (Uniso), a violência física ainda é vista como suposto método educacional no Brasil. Segundo a especialista, essa é uma ideia intergeracional, ou seja, passa de uma geração para outra.
A especialista detalha que crianças e adolescentes agredidos tendem a repetir o comportamento e, assim, o ciclo de violência se mantém. “Pesquisas mostram que pais (vindos) de famílias em que pelo menos um deles sofreu violência física na infância apresentam cerca de quatro vezes mais chances de reproduzir essa violência contra os filhos do que famílias em que os pais não tiveram histórico de violência familiar”, diz.
Juliana Saraiva Medeiros, presidente da Comissão de Direito Infanto-Juvenil da Subseção de Sorocaba da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), concorda com Cristina. De acordo com ela, trata-se de uma questão cultural -- negativa -- no País.
Falta de informação
Ainda segundo Cristina, a falta de informação é a causa dessa problemática. Conforme ela, em alguns casos, pais só tem como base as próprias experiências para aplicar na criação dos filhos. Dessa forma, por desconhecerem as maneiras adequadas de ensiná-los e ajudá-los a se desenvolver, replicam as suas vivências.
Mudança
Na avaliação das especialistas, a mudança desse cenário depende da adoção de medidas efetivas por parte do Poder Público. As iniciativas devem ter como foco a ampliação do repertório dos pais. A psicóloga sugere, por exemplo, a criação de projetos de intervenção parental, como rodas de conversas em escolas. Assim a partir da troca de saberes, os participantes adquiriam mais conhecimento sobre metodologias educativas. Assim, agressores poderiam repensar e mudar o seu comportamento.
Já a advogada aponta a necessidade do investimento em campanhas de conscientização e prevenção como outra medida necessária. Para ela, a transmissão adequada da informação sobre a gravidade do crime de maus-tratos pode impedir a ação. Além disso, motivaria testemunhas a denunciar essas situações cada vez mais. Neste sentido, segundo a integrante da OAB, é preciso reforçar que “violência não é o remédio para o cuidado com a família”, pontua. “Nenhum tipo de violência é tolerável e, principalmente, contra vulneráveis”, conclui.
Prefeitura diz realizar ações
Por meio de nota, a Secretaria da Cidadania (Secid) diz realizar ações e campanhas frequentes para a proteção desse públicos. Segundo a pasta, os trabalhos são desenvolvidos em parceria com o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA). Uma das iniciativas incluem o Maio Laranja, campanha de combate e conscientização sobre o abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes. A outra é o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti).
Além disso, de acordo com a secretaria, funciona na cidade, desde o segundo semestre de 2021, o serviço de Escuta Especializada, para crianças e adolescentes, de 0 a 18 anos, vítimas ou testemunhas de violência doméstica.
Violência é punida de acordo com gravidade
A violência contra esse público não se limita às agressões físicas; engloba, também, abuso sexual, violência psicológica, exploração do trabalho infantil e negligência de cuidados essenciais, como o fornecimento de alimentação. Pais ou responsáveis que agridem os filhos ou dependentes podem ser penalizados por crimes. A afirmação é da advogada Juliana Saraiva Medeiros.
Segundo Juliana, o delito “mais leve” é o de maus-tratos. A pena varia de dois meses a um ano de prisão. Em caso de morte, pode ficar entre 4 e 12 anos e, se a vítima for menor de 14 anos, sobe até 1/3. O agressor ainda pode responder por lesão corporal. Para agressões consideradas leves, como tapas, o tempo de reclusão é de três meses a um ano. Em situações graves, varia de um a 5 anos, e, se ocorrer morte, aumenta e pode ficar entre 4 e 12 anos.
Se a violência for muito intensa, fica caracterizada tortura, com punição de 2 a 8 anos de prisão. “O crime de tortura consiste, especificamente, no emprego de violência ou grave ameaça para prolongar o sofrimento, físico ou mental”, explica. Em situações mais sérias, como enforcamento, espancamento e negar alimentação, o agressor pode responder por tentativa de homicídio, com pena de 6 a 20 anos de prisão. Se uma dessas condutas resultar no óbito da vítima, passa a ser homicídio, e o autor pode ser condenado a pena que vai de 12 a 30 anos.
Conforme a advogada, hoje, as condenações para assassinatos de crianças e adolescentes de até 14 anos, cometidos por pais ou responsáveis, podem ser maiores, em função da lei federal 14.344, chamada de Lei Henry Borel. A legislação passou a classificar esses crimes como hediondos, e ficou conhecida pelo nome do menino que teria sido morto pelo padrasto, o vereador Jairo Souza Santos Júnior, o Dr. Jairinho, e sua mãe, Monique Medeiros. O caso ocorreu em 8 de março de 2021, no Rio de Janeiro.
Além das condenações, a depender das circunstâncias, podem ser adotadas medidas cautelares, antes mesmo, do fim do processo. Uma delas é retirar a vítima do convívio familiar, para evitar consequências maiores. (Vinicius Camargo)