Nelson Fonseca Neto
Sobre ser minimamente útil nesta vida
Como diria a Natuza Nery, vou revelar um bastidor aqui. No caso, bastidor desta coluna. Vocês acham que é fácil escrever toda semana? Tem dia que é osso. E é por isso que eu começo hoje dando uma de Anthony Bourdain.
(O Anthony Bourdain escreve bem pra caramba. Vocês encontram vários livros dele por aí. O mais conhecido chama-se “Cozinha Confidencial”. Bourdain foi chef de cozinha e decidiu escrever a respeito do lado B do ofício. Sabe aquele prato todo cheio de frufru que você come por aí? Então, pra chegar naquele esplendor, o pau canta na cozinha, e o Bourdain mostra isso maravilhosamente bem.)
Mas voltemos ao bastidor desta coluna. Eu estava louco pra escrever a respeito de um assunto que vem me aporrinhando já tem um tempo: a infantilização de adultos nos comerciais. Cara, é muito chato. Não tenho mais pique pra lidar com vídeos mostrando: marmanjos acelerando suas caminhonetes mastodônticas; gente beirando os 40 apostando freneticamente nessas desgraças de bets; uns caras grisalhos superando “os limites” na maratona. A Patrícia bem sabe como esses comerciais me irritam.
Então, aproveitando que o João Pedro e a Patrícia não estão em casa, resolvi escrever a crônica espinafrando os adultos infantilizados nos comerciais. Liguei o computador, abri a janela do escritório, irritei-me com uns malas ouvindo música ruim aqui perto, amaldiçoei a lentidão do computador, respirei fundo, arrumei-me com a coluna reta. Era só começar descer a marreta.
Mas aí o grilo falante soprou: “será que as pessoas querem ler o festival de azedumes que você está prestes a liberar?”. Em condições normais de temperatura e pressão eu mandaria o grilo achar coisa melhor pra fazer. Mas desta vez achei que ele estava com a razão. Tenho notado que faz um tempo que este espaço abriu mão da utilidade pública pra chafurdar no lodaçal das anedotas pitorescas. E foi assim que eu deixei de lado a ranhetice pra escrever algo mais saudável. Tive de explicar como cheguei até aqui porque certamente vocês estranhariam a minha guinada. Muitos achariam que alguém estava escrevendo em meu lugar. Mas chega de enrolação.
Ontem mesmo eu estava pensando no seguinte: é correto largar um livro porque as primeiras páginas não são lá muito legais? Aí a gente vai vendo que o tempo é deveras malicioso. Se eu fosse jovem, responderia: “não é correto largar o livro por conta das primeiras páginas, pois o autor esmerou-se pra escrever aquilo”. Eu era bonzinho. Agora eu largo o livro chato sem culpa no cartório. Não me sinto orgulhoso ao escrever uma coisa dessas. Só estou contando como as coisas se dão por aqui.
Eu acho que essa mudança pela qual passei tem a ver com o seguinte: pra mim, literatura e música estão cada vez mais próximas. Sei lá, tem que bater o santo. Vou explicar melhor: tem que bater o santo naquele momento. Por exemplo, eu acho o Neil Young o máximo, mas tem hora que eu preciso ouvir algo mais destrambelhado, tipo Rowling Wolf. Mas digamos que eu esteja numa fase mais desbravadora. Beleza, se eu não vou com a cara, paro de ouvir numa boa. Como diz o sábio: a fila anda.
Mas eu quero encerrar de um jeito positivo. Alguns inícios da literatura são arrebatadores: “A metamorfose” (Kafka), “Anna Kariênina” (Tolstói), “Ressureição” (Tolstói), qualquer conto de um cara chamado Antonio Carlos Viana, “David Copperfield” (Charles Dickens). Meu Deus, tem um monte de gente boa pra colocar aqui.
São páginas que lembram o doce jeitinho Mike Tyson de ser. Lembram dele? Ganhava a maioria das lutas nocauteando o adversário nos primeiros rounds. Pessoal, vale a pena encarar a bronca. Aquele abraço.