Nelson Fonseca Neto
Declaração de amor

Acho estranho quando alguém fala de alguém como “o melhor escritor do Brasil”. Estamos num concurso? Não tem essa de “melhor”. Evito usar essa palavra equivocada. Acho mais negócio recorrer a “preferido”. É mais humilde e carrega a ideia de que gosto é gosto.
Ouço muita gente dizer que Guimarães Rosa é o seu escritor preferido. Aí começa uma defesa apaixonada desse grande escritor. Rola um fanatismo, os olhos dessas pessoas brilham de um jeito diferente, elas sabem de cor várias frases lapidares do Guimarães Rosa.
Putz, vamos lá, hora de dizer um treco meio chato: Guimarães Rosa não está entre os meus autores favoritos. Isso não impede que eu reconheça sua grandeza. Tem muita coisa maravilhosa ali, sem dúvida, mas sabe quando o santo não bate do jeito que deveria bater? Quando releio suas páginas, vai dando um bode daquelas frases de sabedoria. Não quero magoar ninguém: o problema está em mim.
Com a Clarice Lispector o lance é outro. Não é que as palavras dela vão me dando bode; eu apenas não consigo captar a força daquilo. Conheço gente que percebe, quando o assunto é Clarice Lispector, as coisas mais profundamente do que eu. Vamos falar a real? Vivo dando com a cabeça na parede quando leio Clarice. Está além da minha capacidade.
Aí você está lendo isto aqui e deve estar pensando: o cara vai acender uma velona pro Machado de Assis. Olha, ele é mesmo um dos meus favoritos. A gente podia ficar um tempão papeando a respeito por aqui, vamos resumir a coisa: eu adoro um sarrista. E aí a gente vai começar a falar de uma turma da pesada.
Eu acho Rubem Fonseca engraçado pra caramba. É meio macabro, sou o primeiro a reconhecer. A violência come solta em seus contos e romances. Deus me livre trombar, aqui e agora, com um de seus personagens. Mas, caramba, quase todos os contos que ele escreveu em primeira pessoa são hilários. Sim, Rubem Fonseca é um dos meus preferidos, e sempre arrumo uma desculpa para voltar a ele.
Vivo rindo com Dalton Trevisan também. Opa, aí vocês vão percebendo um padrão: o cronista que assina esta coluna gosta de textos mergulhados em sangue e em humor perturbador. Se pensaram assim, acertaram em cheio. Mil vezes um diálogo irônico do Rubem Fonseca do que uma frase cintilante do Guimarães Rosa. Coisa minha, tá?
Essa papagaiada toda nos leva ao cara que eu mais gosto de ler, disparado: Nelson Rodrigues. Vou bancar o do contra aqui: o Nelson Rodrigues dramaturgo me pega menos do que o contista, o cronista e o romancista. Esses dias mesmo andei relendo algumas de suas peças. Sensacionais, revolucionárias e tal, mas a apreciação ficou num patamar mais frio, mais racional, mais de constatação. Meio que aquele papo que a gente leva quando não quer fazer feio.
A cuíca ronca bem mais forte nos contos. Decidi ler quase quatrocentas histórias de “A vida como ela é” sem desviar o rumo. Recomendo a experiência. Se eu disser, assim por cima, que quase todos os contos são ambientados no Rio de Janeiro e tratam de amor, sexo, traição e violência, vocês dirão: monótono, hein? Nada disso, a gente nunca se cansa, pede mais e lamenta quando termina.
Tem que ser muito bom pra fazer uma coisa dessas. Não há firulas estilísticas, personagens monumentais, análises sociais profundas. Eu babo na sintaxe que corta a frase perfeitamente, nas gírias, nos diálogos, nas maluquices. Eu leio alguns desses contos à noite, com a Patrícia dormindo ao lado, e eu tenho que conter a gargalhada. Nelson Rodrigues é o meu autor preferido.