Produção rural assiste à mudança de gerações
O trabalho dos jovens no campo é mais focado em parcerias e avanços tecnológicos. Crédito da foto: Fábio Rogério (26/8/2020)
Nilson Vicente Rufino passou mais de 20 anos plantando milho e mandioca no sítio onde vive, na região do Caguaçu, em Sorocaba. Depois de duas décadas de trabalho, segundo ele, desgastante, o produtor rural está pronto para ver os filhos assumirem os cuidados com a terra, mesmo admitindo que vai seguir ajudando na plantação.
Os filhos de Rufino, Hércules e Michelangelo, de 29 e 27 anos, pertencem a uma faixa etária que ainda é minoria no campo. Dados do último Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizado em 2017, apontam que o trabalho rural no país é feito, majoritariamente, por pessoas mais velhas, nas faixas entre 45 e 64 anos. Do total de estabelecimento agropecuários do Brasil, quase 42% dos produtores rurais estão nesse grupo etário, enquanto que a participação de pessoas entre 25 e 34 anos é de aproximadamente 9%. O percentual é menor ainda quando se fala naqueles que têm até 24 anos: cerca de 2%.
Em Sorocaba, essa realidade não é diferente. Dos 193 estabelecimentos agropecuários registrados pelo IBGE, apenas dois são tocados por produtores com até 24 anos, aproximadamente 1% do total. Na faixa entre 25 e 34 anos, são sete, o que corresponde a cerca de 3,6%. Apesar dos números, especialistas acreditam que, seja por influência familiar ou de oportunidade, pode haver uma renomação do trabalho rural com os mais jovens.
“É um orgulho deixar esse negócio para a família e continuar colaborando com o país. Aos poucos, eles vão tomando conta”, disse Rufino sobre a expectativa de deixar o trabalho para os filhos. O produtor, que ficou cadeirante, vítima de um acidente automobilístico, afirmou que Hércules virou um “braço direito” depois do episódio.
Quando isso aconteceu, em 1999, o garoto tinha cerca de sete anos, mas conhecia o trabalho por observar o pai e cuidar da horta da família. ‘Foi natural seguir os passos do meu pai. Até cheguei a trabalhar fora, mas decidi seguir com a produção e não fazer mais nada para ninguém, contou Hércules, que deve, mais adiante, receber o reforço do irmão, que, de acordo com Rufino, pretende deixar o emprego com carteira assinada para ajudar no sítio.
A preparação para a nova etapa de trabalho já começou. Com ajuda do Sindicato Rural de Sorocaba, a família conseguiu um financiamento para a compra de um trator e outros equipamentos necessários para modernizar os processos de cultivo e colheita. Os recursos foram liberados pelo Programa Nacional de Fortalecimento de Agricultura Familiar (Pronaf) e vão permitir que, além da mandioca, os produtores invistam mais em outro produto: a banana. Até o fim de setembro, o sítio deve ganhar cerca de quatro mil mudas de bananeiras.
Parte da produção do sítio de Rufino é destinada a creches e escolas, por intermédio de uma cooperativa parceira, que comercializa os itens para a prefeitura. O restante é vendido em supermercados e na Ceagesp.
Jovem parceiro
Uma explicação para o número ainda reduzido de jovens à frente de estabelecimento agropecuários pode estar no perfil dessa mão-de-obra, que chega para o trabalho rural mais focada em estabeler parcerias.
O Censo Agropecuário, do IBGE, considera como estebelecimento agropecuário toda unidade de produção ou exploração dedicada total ou parcialmente a atividades agropecuárias.
De acordo com o presidente do Sindicato Rural de Sorocaba, Luiz Antonio Marcello, o perfil do trabalho dos jovens no campo ainda é mais focado em parcerias. “O jovem conhece produtores já estabelecidos e acaba conversando para virar um parceiro, ajudando a cuidar das terras. A maioria não chega com perfil para dono”, pontuou.
Levando isso em conta, Marcello destacou duas áreas que recebem bem essa mentalidade dos jovens na região. “Os processos de produção de cogumelo e mel oferecem boas oportunidades”, completou.
Apicultura é uma atividade promissora
Apontada como um caminho promissor para os mais jovens na região, a produção de mel mobilizou os interesses de André Santos Rodrigues, que começou na apicultura aos 29 anos.
Interessado por assuntos relacionados à natureza, ele conta que viu na área uma nova oportunidade de atuação profissional, estimulado por amigos que já trabalhavam como apicultores. Em 2017, recebeu um convite para um curso, desenvolvido pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), e começou a adquirir enxames de abelhas para montar um apiário.
Hoje com 32 anos, Rodrigues, que não tinha nenhum contato familiar com o trabalho, mantém 15 caixas com abelhas no meio de uma plantação de eucaliptos, em uma área cedida por uma empresa, em Votorantim. Para conseguir o local, contou com o apoio da Cooperativa de Apicultores de Sorocaba (Coapis), que intermediou a parceria.
Nos períodos de florada, que começam no fim de setembro, com a chegada da primavera, o apicultor chega a ter cerca de 80 mil abelhas, que geram, em média, de 15 a 20 quilos de mel por caixa. Após a colheita, o produto é fracionado e vendido por ele.
Além da parceria para o terreno do apiário, Rodrigues também destaca o trabalho com outros profissionais do ramo. “A apicultura trabalha bastante com parceiros que se ajudam e trocam experiências. Algumas vezes, é um serviço pesado, especialmente na hora de colher o mel, mas dá muito prazer”, diz.
Um dos parceiros de Rodrigues é Abimael Carlos Campos, que é apicultor e também trabalha com remoção de enxames. Inserido na área por influência do pai, que fazia um trabalho amador, buscou profissionalização e conheceu o amigo no curso do Senar.
Com essa mentalidade de trabalho, Rodrigues planeja os próximos passos. “Tenho vontade de ter muitas outras caixas com abelhas para produzir mel. A chegada dos mais jovens nessa área é muito bacana e a busca por produtos naturais também contribui para o aumento da procura”, completa o apicultor.
Renovação passa pela aprendizagem
A renovação do trabalho rural no país, com a chegada dos mais jovens a essas atividades, precisa se dar a partir da formação dessa mão de obra e de uma mudança de comportamento. Essa é a avaliação de Marcos Antonio Canhada, economista e professor da Universidade de Sorocaba (Uniso).
Segundo o economista, o meio rural, especialmente nas áreas com característica de trabalho familiar, necessita de aprendizagem tecnológica, com jovens sendo melhor capacitados para as atividades. ‘No passado, aplicava-se o conhecimento popular, mas agora é necessário conhecimento científico. Há muitas informações tecnológicas que podem fazer a agricultura familiar ter melhores rendimentos’, destaca.
Canhada diz que o campo brasileiro possui uma ‘força muito grande e potencial’, mas precisa investir, por exemplo, em técnicas de manejo sustentável para evitar problemas ambientais. ‘Daí a importância do conhecimento’, completa o economista, que ainda cita a relevância da participação do Estado brasileiro e das instituições de ensino nesse processo.
O professor acredita que a renovação do trabalho rural também passa por uma mudança de comportamento dos jovens, que, diante dessa falta de conhecimento técnico, levam em conta referências familiares antigas para seguir outros caminhos profissionais. ‘O campo estava atrelado a uma visão de sofrimento e de dureza no trabalho. A formação e a tecnologia podem fazer as pessoas sofrerem menos na área. Há exemplos de famílias que vivem muito bem dessas atividades’, afirma.
Destacando a participação da agricultura e da pecuária no Produto Interno Bruto (PIB) do país, Canhada frisa que a renovação seria interessante para a área rural. ‘A parte industrializada do campo já avançou e a agricultura familiar tem importância significativa, mas requer mudanças que seriam boas para o Brasil’, termina. (Erick Rodrigues)