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Editorial

A Internet e as crianças

07 de Abril de 2025 às 21:30
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Nos últimos tempos, a internet deixou de ser apenas uma ferramenta de pesquisa ou entretenimento para se tornar uma extensão da vida social, emocional e educacional de crianças e adolescentes. Se, por um lado, o ambiente digital oferece oportunidades de aprendizado e conexão, por outro, expõe uma geração inteira a riscos com consequências que podem fugir ao controle. O crescimento dos crimes digitais envolvendo crianças e adolescentes se tornou um dos maiores desafios das autoridades, educadores e famílias.

Nesse contexto, duas notícias envolvendo a Internet e as crianças chamam a atenção no início desta semana. Uma delas é a de que a Polícia Civil de São Paulo instaurou um inquérito para investigar uma plataforma on-line por apologia à violência digital. A rede social descumpriu uma solicitação emergencial realizada pelas autoridades para derrubar uma transmissão ao vivo na qual eram exibidas cenas de violência para crianças e adolescentes.

Durante a transmissão ao vivo, os “líderes” do grupo submetem usuários a vários tipos de violência — desde estupros virtuais a automutilação. Eles também usam a plataforma para comercializar pornografia infantil — a partir da obtenção e uso criminoso de imagens íntimas — até a chantagem que levam ao abuso sexual.

O episódio foi flagrado por policiais do Núcleo de Observação e Análise Digital (Noad) durante um monitoramento de um grupo envolvido na divulgação de cenas de violência para centenas de usuários da rede social. Os investigadores flagraram muita violência sendo transmitida ao vivo, e o Noad determinou que a plataforma encerrasse a transmissão imediatamente. Mas o núcleo policial recebeu como resposta que o pedido não era emergencial.

Então, as equipes elaboraram um relatório de inteligência, com provas e argumentos comprovando os crimes. O documento foi encaminhado ao Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa, que analisou os fatos e instaurou o inquérito policial para aprofundar as investigações.

A plataforma responsável pela transmissão on-line foi intimada. Os policiais vão colher o depoimento dos representantes da empresa no País, além de outros envolvidos. Os usuários da rede social promovem as transmissões para centenas de pessoas em troca de “fama” e “reconhecimento” na comunidade digital. Além de menores de idade, maiores foram identificados pelos policiais infiltrados nas transmissões.

A outra notícia traz uma informação perturbadora e mostra que os crimes digitais contra crianças e adolescentes não são fatos isolados. Em 2024, o Brasil figurou em quinto lugar na lista de países com mais denúncias de páginas que distribuíram conteúdos de abuso sexual infantil, de acordo com o relatório da rede internacional InHope.

De 2022 para 2024, o País viu as notificações se multiplicarem, passando da 27ª posição no ranking para a atual. Nas primeiras posições, aparecem Bulgária, Reino Unido, Holanda e Alemanha.

Para analisar a situação nos países, a InHope apoia-se nos dados coletados pelos 55 canais de denúncia de crimes na internet, chamados de hotlines, que integram a associação internacional. A rede está presente em 51 países. No Brasil, quem recebe as denúncias e faz a contagem é a entidade SaferNet, que desde 2006 atua em parceria com o Ministério Público Federal.

Das mais de 50 mil páginas denunciadas no Brasil, 10.823 foram repassadas a hotlines e autoridades de outros países, porque, ao que tudo indica, envolviam vítimas de outras nacionalidades. No cálculo, também entraram as páginas associadas a crimes que aparentemente não ocorreram no Brasil.

O SaferNet informa que outras 38.051 páginas com indícios de abuso sexual infantil foram encaminhadas aos hotlines com o auxílio de ferramentas de detecção automatizada e pró-ativa, totalizando 48.874 páginas diferentes entre si compartilhadas pela SaferNet Brasil com outros hotlines membros do InHope em 2024.

No ano passado, foram detectadas, ainda, 1.155 páginas diferentes hospedadas no Brasil, o equivalente a 0,05% de todas as páginas com material de abuso sexual infantil identificadas no mundo. As páginas foram recebidas e analisadas pelo Núcleo Técnico de Combate aos Crimes Cibernéticos do Ministério Público Federal e autuadas para investigação.

Combater crimes digitais contra crianças e adolescentes exige um esforço dos pais, mas é também uma função do coletivo. Cabe à sociedade civil romper o silêncio em torno do tema, denunciar conteúdos ilegais, pressionar empresas por medidas de segurança mais eficazes e, principalmente, cultivar uma cultura de cuidado com a infância digital.

A tecnologia não pode ser inimiga da infância, mas sim uma aliada. Para isso, é preciso agir agora, com informação, empatia e responsabilidade. Cada clique seguro, cada conversa aberta e cada denúncia feita pode ser o ponto de virada na vida de uma criança.