Professora Luciane Cruz Lopes
Invisibilidade das mulheres brasileiras na ciência
Talvez as mulheres ainda não sejam reconhecidas como capazes e competentes pelos responsáveis pela seleção, que, na maioria, das vezes são homens
Quase tudo que envolve orçamento de pesquisa no Brasil é muito mais difícil do que em um país desenvolvido. Valores de bolsas, infindáveis burocracias e o comprometimento de parte do salário para completar o valor da bolsa recebida durante estágios de capacitação realizados fora do País são fatores muito importantes. Hoje, as mulheres representam cerca de 50% dos doutorandos no Brasil (CGEE, “Mestres e Doutores 2015 - Estudos da demografia da base técnico-científica brasileira” https://www.cgee.org.br/web/rhcti/mestres-e-doutores-2015), percentual semelhante ao de países desenvolvidos.
Apesar de serem a maioria nos cursos de doutorado em diversas áreas, as mulheres brasileiras não estão tão bem representadas nos níveis superiores da carreira. Um estudo recente mostrou que elas representam apenas 24% dos beneficiários de uma bolsa do governo brasileiro, concedida aos cientistas mais produtivos do País.
A sub-representação em cargos de liderança também persiste: as mulheres cientistas são apenas 14% na Academia Brasileira de Ciências. Apesar de suas notáveis descobertas, as mulheres representam apenas 30% dos pesquisadores em todo o mundo, e seus trabalhos raramente recebem o reconhecimento que merece. Menos de 4% dos prêmios Nobel de ciência já foram concedidos a mulheres, e, na Europa, apenas 10% dos cargos de pesquisa sênior são ocupados por mulheres.
Talvez a falta de mulheres em altos cargos científicos no Brasil seja resultado de uma questão mais profunda, causada pelos mesmos fatores que explicam porque os salários das mulheres são mais baixos que os de homens ou porque há poucas mulheres em conselhos de empresas, ou mesmo em cargos de alto escalão do governo. Talvez as mulheres ainda não sejam reconhecidas como capazes e competentes pelos responsáveis pela seleção, que, na maioria, das vezes são homens.
Superar a invisibilidade feminina é um desafio diário para cada uma de nós, especialmente em áreas como a ciência, em que a carreira depende do reconhecimento de suas contribuições intelectuais. Eu atuo em uma universidade comunitária e vivo no Brasil, um país latino-americano. Estas questões têm impacto importante em termos de visibilidade ou para ser considerada a cargos de liderança no Brasil. As políticas que apoiam universidades federais e estaduais não se aplicam às comunitárias para alguns tipos de bolsas ou fundos de fomento. Embora eu tenha recebido prêmios internacionais por ser uma pesquisadora líder feminina na América Latina, alguns destes prêmios conferidos pela Internacional Society of Pharmacoepidemiology não foram sequer anunciados em nenhum jornal brasileiro e nem mesmo a comunidade em que estou inserida ficou sabendo. Completa invisibilidade!
Algumas hipóteses podem ser levantadas para compreender melhor o preconceito (in)visível e estrutural que existe contra a mulher na ciência brasileira: sociedade predominantemente conservadora e machista, baixa percepção da intelectualidade e capacidade feminina, domínio de religiões que ainda subjugam a mulher, cuidados à prole serem principalmente exercidos e de responsabilidade de mulheres, entre outros aspectos. No entanto, quando se trata de produção científica, vários números mostram que as mulheres brasileiras superam seus colegas homens. Um artigo publicado na “Nature” há alguns anos (Vincent Larivière, et al., “Bibliometrics: Global Gender Disparities in Science” Nature, December 11, 2013, https://www.nature.com/news/bibliometrics-global-gender-disparities-in-science-1.14321), constatou que as mulheres foram responsáveis por quase 70% do total de publicações de cientistas brasileiros entre 2008 e 2012, uma das maiores proporções do mundo.
A superação dessa invisibilidade exige o comprometimento de toda a sociedade. Campanhas educativas para estimular meninas a se tornarem cientistas e discutir o preconceito inconsciente em processos seletivos são exemplos de iniciativas em andamento no Brasil que são muito bem-vindas. A superação do desafio da igualdade feminina nas ciências é algo que deve ser apropriado pelo Estado e por cada cidadão brasileiro!
Professora Luciane Cruz Lopes, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas da Universidade de Sorocaba (Uniso). E-mail: [email protected]