O medíocre da vanguarda
Paulo Celso da Silva
Nos anos 1980, com a abertura e a redemocratização do Brasil, estávamos nós, jovens de então, tentando entrar na faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Sorocaba para a formação de professores em Geografia, História, Letras, Ciências, Matemática. Nosso perfil de então era o do estudante trabalhador.
Vindos de uma formação de ensino fundamental e médio que não nos preparava para a reflexão e ao discurso políticos, talvez para muitos, a maior participação na política local tenha sido a “Noite do Beijo”, que aconteceu em 1981 e já foi retratada em livro por Carlos Batistella (2009) e em vídeo dirigido por Bruno Vieira Lottelli (2016), depois que o juiz Manoel Moralles assinou uma portaria na qual “estão proibidos os beijos cinematográficos, em que as mucosas labiais se unem em expansão insofismável de sensualidade” e também proibidas “as apalpadelas, apertões, abraços indecorosos, beijos prolongados ou qualquer ato libidinoso, quando praticados em locais públicos”.
Na faculdade, cursando Geografia, tive a oportunidade e a honra de participar das aulas da disciplina Cultura Brasileira, ministrada pelo prof. Aldo Vannucchi. Dessas aulas o professor preparou e publicou um livro essencial: Cultura Brasileira o que é, como se faz (1988 e revisto e ampliado em 2004).
Recordo-me de uma aula em que nos mostrou e demostrou as diferenças entre o ignorante e o medíocre. Quem já teve aula com o professor Aldo sabe que a origem e o significado das palavras são importantíssimos, e, assim, ignorante é um adjetivo que remete a uma pessoa que desconhece informações ou fato importantes, ou seja, aquele que ignora por não saber da existência, mas que quer aprender. O medíocre, por seu turno, também é um adjetivo usado para indicar aquele que é mediano, sofrível. Para usar as palavras que me recordo, “aquele que pensa que sabe”, por isso, sofrível.
Aprendemos também, na mesma aula, que não existe cultura melhor ou cultura pior, cultura alta ou baixa. Que todos temos algo a acrescentar e aprender, se tivermos humildade intelectual para isso e se nos vermos como o ignorante que quer saber, que felizmente, como Sócrates, sabe que nada sabe.
Parece que temos exemplos de sobra no Brasil de gente que pensa que sabe, que está acima de tudo e todos, que acha que sabe e ponto final. E para esses um aplicativo de enviar mensagens é considerado um livro de aforismos (claro que eles pensam que sabem o que é um aforismo, mas para você que quer saber, copio o Wikipédia: do grego aphorismós é um gênero textual ou uma obra deste gênero caracterizado por frases breves que possuem uma definição de um preceito moral ou prático).
Para o medíocre, a mensagem do aplicativo é uma verdade a ser acreditada e creditada a ele que é O verdadeiro (ele pensa que sabe que essa letra O em maiúsculo quer dizer o único). Como são verdades, são incontestáveis, não importa o perigo que isso traga aos demais medíocres que acreditarão e creditarão nele. Um vírus letal é uma gripe sem consequências, afinal os demais são ignorantes (ele pensa que sabe o que é ser ignorante e conecta o sentido de ignorante como burros).
Ter um medíocre na vanguarda das decisões com seu séquito de mediocres (eles preferem sem o acento obrigatório em português para parecer que falam inglês, como nos EUA) para o qual a ciência mais complicada é compreender por quê no espelho reflete alguém como ele, tão ELE (sim, ele tem interesse na física de narciso)!
Só posso agradecer a minha formação ignorantemente científica e, na medida do possível, universalista, em uma terra de formato geóide.
Paulo Celso da Silva, professor no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Uniso Mestrado e Doutorado. ([email protected])