O problema das redes sociais e da água de beber
Éric Diego Barioni
Há dias assisti um filme que tratava sobre o dilema das redes sociais -- inclusive aqui, no item artigos, da sessão opinião do jornal Cruzeiro do Sul, Nildo Benedetti tem apresentado uma série de nove textos sobre o assunto. Em suma, o filme trata sobre como somos manipulados pelas redes sociais. Adicionalmente, há algum tempo também publiquei aqui sobre como a indústria do tabaco, por meio de influenciadores digitais no Instagram e em outras redes sociais e plataformas, como o próprio Netflix, por exemplo, tem manipulado a atenção de jovens, disseminando entre eles o “barato” das práticas do uso de tabaco por meio de dispositivos, como o narguilé e cigarro eletrônico.
As consequências das redes sociais, entretanto, seguem para muito além da manipulação direta e/ou indireta. O uso das redes sociais facilmente pode se tornar autossustentada, e indivíduos que já trazem consigo certas susceptibilidades individuais, fatores genéticos etc. poderão experimentar mais rapidamente as consequências negativas desta exposição.
Inconscientemente temos tentado encontrar nas redes sociais rotas de fuga para as nossas frustrações, passatempos para o tédio; e o vazio da abstinência das redes sociais, associado ao drama do mundo real, que difere daquilo que buscamos ser e encontramos na internet, tem nos afastado das relações familiares e aumentado os números que demonstram a frequência de doenças como ansiedade e depressão em jovens, por exemplo.
Nosso encéfalo possui um sistema denominado de mesolímbico dopaminérgico, e certas atividades prazerosas são justamente prazerosas por acionar este sistema. Sair com alguém que você gosta ou estar em família, filhos ou animais de estimação, compreendem exemplos claros de atividades que são prazerosas e que resultam da ativação deste sistema.
Drogas de abuso, como o crack, por exemplo, também ativam este sistema. A ativação, entretanto, é muito mais intensa, e o indivíduo, buscando explorar novamente o prazer que encontrou nas primeiras experimentações, apresenta um padrão de uso compulsivo, que o afasta de tudo e não o leva a lugar algum.
Guardada as devidas proporções, as redes sociais também ativam o sistema mesolímbico dopaminérgico. E é a busca por curtidas, novos seguidores e comentários que alimentam o uso frequente. Este modelo de uso divide e limita a atenção do usuário, diminui sua produção no ambiente escolar, no trabalho, e arrasta o indivíduo, e até famílias inteiras, para longe do diálogo e convívio. As consequências negativas são enormes. O vício restringe a nossa liberdade e capacidade de desenvolvimento.
Em toxicologia, que é a minha área de atuação, consideramos que até mesmo a água de beber pode ser tóxica, e é a quantidade que poderá ou não, entre outras coisas, determinar tal toxicidade. Isso também se aplica ao nosso padrão de uso das redes sociais e outras plataformas, o quanto estamos expostos e/ou consumindo poderá, em partes, determinar nosso grau de “intoxicação”, se estamos dependentes, e se estamos deixando de lado nossa vida para viver manipulados pelas redes sociais e não responder diretamente pelo nosso caminho e escolhas.
Éric Diego Barioni é professor na Universidade de Sorocaba (Uniso), conselheiro no Conselho Regional de Biomedicina da 1ª Região (CRBM-1) e presidente da Comissão de Toxicologia do CRBM-1. E-mail: [email protected]