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Paulo Roberto Teixeira Junior

Trabalho e prazer

Todo trabalho, por mais gostoso que seja, envolve, sim, momentos desagradáveis também, coisas que precisam ser feitas nem que seja na força do ódio

12 de Agosto de 2022 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
(Crédito: REPRODUÇÃO / INTERNET)

 

Há um ditado já bem batido que circula bastante nas redes sociais e nas falas das pessoas que diz mais ou menos assim: “Trabalhe com o que gosta e nunca mais vai precisar trabalhar na vida”. Atribuem a autoria a Confúcio, pensador chinês que viveu cinco séculos antes de Cristo.

É... Interessante. Como qualquer bom ditado, tem força retórica. Tendemos a consentir instantaneamente com a mensagem, pois toca numa questão sensível a todos nós: a relação trabalho e prazer. Ou desprazer, caso queira.

Pois é... Parece que, desde a época de Confúcio, trabalho e prazer, trabalho e alegria, trabalho e realização, trabalho e felicidade etc., tem sido um assunto sensível. É meio incrustrado na nossa cultura essa ideia de que uma coisa é trabalhar, outra coisa é ser feliz. Legal é sábado e domingo. Segunda a sexta é trabalho. Enfim... trabalho sempre associado a uma ideia de sofrimento. Fazer algo prazeroso é um “não-trabalho”. Se tirar o prazer, aí vira trabalho.

Será mesmo? Tem que ser assim? Sei não, mas por detrás dessas ideias talvez haja pressupostos meio infantis nisso tudo. E quando digo infantil, é no sentido literal do termo mesmo: as crianças pensam e sentem assim.

A criança se engaja em tudo aquilo que lhe proporciona satisfação imediata. Se é gostoso, ela faz e quer mais. Se não é, ela não quer. Quer distância.

Tomar uma injeção é ruim. Dói. Ela não quer. Ainda que falemos que será bom para evitar uma dor ainda maior no futuro, não adianta. Ela chora porque não quer a dor agora e ponto.

Já o docinho ela quer. É gostoso. Pode lhe dar cáries no futuro e sentir dor no dentista? Pode! Não importa: está gostoso agora.

Dentre outras coisas, o que é tornar-se adulto? Pesquisadores do campo da Psicologia do Desenvolvimento nos dizem: é aprender a não ser tão imediatista e começar a pautar suas ações e decisões em coisas que vão além do aqui e agora.

Pois é... a vida não é um parque de diversões 24 horas por dia. Não é e nem deve ser. E nem é e nem deve ser também um circo de horrores. Claro que não. Nem uma coisa nem outra. Esses binômios do tipo “prazer-desprazer”, “gostoso-ruim”, “legal-chato”, “felicidade-infelicidade” etc. são legais como enredo de comédia romântica no cinema, divertem a gente e tal, mas não servem como guia aqui na vida real. Na vida real, as coisas são mais juntas e misturadas. E o grande barato da vida é ir apreciando o que há de bom ao mesmo tempo em que se aprende a lidar com o que não é.

Trabalhar com o que gosta é muito bom, sim. Porém, não existe no mundo trabalho 100% prazeroso. Todo trabalho, por mais gostoso que seja, envolve, sim, momentos desagradáveis também, coisas que precisam ser feitas nem que seja na força do ódio. Pergunte a qualquer trabalhador do campo das artes, por exemplo, que tendemos a achar que vive em permanente êxtase com seu ofício: músicos, atores, escritores, pintores etc. Sim, são muito felizes com o que fazem sim (pelo menos, a maioria) porém, todos eles também precisam fazer coisas que consideram desprazerosas: lidar com contratos, contabilidade, contas a pagar e receber, enfim, todas essas questões de natureza administrativa, fora o próprio ato de criação artística que envolve muita transpiração: compor, pintar, ensaiar, escrever etc. e tal não são coisas que se fazem assim tão naturalmente como se imagina, como se o artista estivesse numa colônia de férias e, de repente, do nada, ele começa a produzir. Não é bem assim. Envolve muito esforço, tem prazos a cumprir também, obrigações contratuais, exigências a mais diversas, enfim. Diferente de brincar, trabalhar sempre tem algum grau de “sofrimento”.

“Sofrimento”? Sim, sofrimento com aspas: será mesmo que é sofrer?

Sei não... Eu chamaria esforço, superação, compromisso, (auto)desafio... mais ou menos por aí. Trabalho que só tem essas coisas, de fato, fica sofrível. Ao mesmo tempo, um trabalho totalmente sem essas coisas, será que nos desenvolveria como adultos maduros e responsáveis? Sei não...

Paulo Roberto Teixeira Junior, psicólogo, mestre e doutor em Educação, professor de Psicologia do Trabalho e Psicologia do Desenvolvimento Adulto na Uniso ([email protected])