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Duas vidas femininas

18 de Setembro de 2020 às 00:01

Duas vidas femininas Crédito da foto: Reprodução / Internet

Paulo Celso da Silva

Procurando por Wanda Svevo (1921 - 1962), encontrei também Paola Masino (1908 - 1989). Duas italianas, ambas sobreviventes das guerras na Europa, obrigadas a sair de seu país e com propostas e ações a contrariar a “dona de casa” que exigiam delas.

As duas saíram da Itália pela falta de liberdade para sua expressão artística e para a expressão de seu feminismo, um país no qual o fascismo político colocava a “mulher em seu lugar”, ou seja, nenhum. Era apenas a reprodutora da raça, sem nenhuma criatividade, iniciativa para a vida pública e nem discernimento suficiente para síntese.

Para Mussolini e Hitler, a mulher tinha que ser passiva. O alemão afirmava: “Me causa horror as mulheres que se metem na política e se metem em assuntos militares, é insuportável.”

Nesse contexto, as duas, à sua maneira, escreveram “Nascimento e morte de uma dona de casa”, mas, como livro, foi Paola, em 1938, quem ficou com a autoria. Afirmava ser, um livro maldito porque, depois de ser censurado pelo fascismo, a gráfica foi bombardeada e teve de reescrevê-lo de memória. Este livro, nunca lançado no Brasil, narra a “metamorfose de uma menina em anjo da casa. A menina passa sua infância escondida em um baú, onde indaga os mistérios da vida e da morte, esquecida por todos os familiares. Ignora os deveres próprios de seu gênero e desespera a sua mãe até que, quando adolescente, assume seu destino asfixiante de mulher adulta e se transforma no que sempre odiou: uma perfeita dona de casa”, informa Josefa Linares na contracapa da edição espanhola.

Sua importância na militância da e na vida / arte femininas foi tanta que era chamada de “scribacchina” pelo regime fascista, algo como um pejorativo “rabiscadora” e não escritora, poetisa, romancista, jornalista, criadora de folhetos para óperas e locutora em programas de rádio. Em 1927, casou-se com o poeta Massimo Bontempelli (1878 - 1960), 30 anos mais velho que ela. Os dois trabalham na Revista “900” e a liberdade que ela conquista possibilita conhecer personalidades como Moravia, De Chirico, Marinetti, Pirandello, além de corresponder-se com escritoras de seu tempo: Alba De Cespedes, Anna Maria Ortese, Maria Bellonci, Sibilla Aleramo, Anna Banti, Luce d’Eramo, Ada Negri, Natalia Ginzburg e Gianna Manzini.

Wanda também se autoexilou. Nasceu Wanda Matijevic Schmitz, filha de Cosulich e Carlo Matijevic, ítalo-judeus de Trieste. Os documentos do Arquivo de Imigração no Brasil indicam que ela era portadora do passaporte 898453 expedido em Londres em 1939, tendo passado por Lisboa, onde, com seu marido, Mario Schmitz Svevo, consegue o visto para o Brasil em 07/11/1940. Chegam ao Rio de Janeiro e, em fevereiro de 1941, já aparece registrado na Delegacia Especializada de Estrangeiros, o endereço do casal em São Paulo. Como bem definiu Ivo Mesquita, curador de arte, “vista hoje, Wanda Svevo pode ter sido um daqueles personagens como muitos retratados na literatura e no cinema, nascidos entre guerras do século 20, cujas vidas foram profundamente afetadas por elas. São pessoas marcadas por um destino terrível, perderam tudo, sofreram perseguições, exilaram-se. Tiveram que mudar de país para sobreviver”.

Ela foi secretária geral da Bienal e faleceu numa viagem em missão da 7ª Bienal, rumo a Lima, no dia 28 de novembro de 1962, e o Arquivo da Fundação Bienal, por ela criado, recebeu, após sua morte, seu nome como homenagem e hoje é mundialmente reconhecido.

Que momento precioso para o renascimento de suas trajetórias e lutas pela liberdade de viver cada escolha.

Paulo Celso da Silva é professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Uniso e doutor em Geografia Humana. E-mail: [email protected]