Os jogos para além da diversão
Tadeu Rodrigues Iuama, com Thífani Postali
Já se vão mais de vinte anos desde que Gonzalo Frasca, doutor pela Universidade de Copenhagen, colocou o termo ludologia em circulação. Na época, discussões ocorriam se os jogos eram competência da narratologia, já que uma narrativa se constrói quando se joga, ou se as estruturas e elementos das mecânicas dos jogos necessitavam de um estudo específico. Frasca, defensor da segunda vertente, pretendeu cristalizar, com o termo ludologia, os estudos dos jogos configurados como uma disciplina. De lá para cá, alguns mantém a discussão, enquanto outros abraçam a complexidade do tema, admitindo a existência tanto de dinâmicas lúdicas quanto narrativas (ludonarrativas).
Para além dessa discussão entre jogo e narrativa, o estudo dos jogos encontra diversas ramificações. A provocação de Frasca colocou muitas teorias outrora dispersas orbitando um núcleo comum. Talvez a mais antiga delas seja a ludopedagogia, ou seja, o potencial educacional dos jogos. Mais do que a ludificação do ensino, assunto em voga atualmente, a ludopedagogia se debruça sobre as potencialidades do jogo em si para o processo de aprendizagem. Autores como Jean Piaget, Lev Vygotsky e Henri Wallon compõem o repertório teórico do assunto, remetendo a Friedrich Fröbel, criador do primeiro jardim da infância, no século XIX.
A ludoterapia é outro ramo dos estudos dos jogos. Percebida por Melanie Klein e consolidada por Virginia Axline, a instrumentação dos jogos em prol do processo psicoterapêutico é amplamente utilizada nas clínicas. Outro autor pertinente para o tema é Donald Winnicott: lendo sua obra, ludoterapia torna-se um termo redundante, já que, para o autor, todo processo terapêutico consiste em transformar um indivíduo que não brinca num indivíduo que brinca. Em clínicas de fisioterapia, já é possível encontrar a “gameterapia”, termo utilizado para referir-se ao uso de jogos digitais como aliados para a recuperação dos pacientes, de maneira lúdica e divertida.
Também é possível pensar numa ludopolítica. O termo encontra pelo menos duas definições: para Liam Mitchell, é uma crítica imanente do momento tecnocultural contemporâneo, onde as pessoas jogam com e contra o impulso de controle; enquanto para Ergin Bulut, é um reflexo do nosso momento social, onde as pessoas são divididas entre aquelas que podem jogar e aquelas que precisam trabalhar. Na contemporaneidade, esse jogo tornou-se ainda mais visível, pois as pessoas dispõem de canais digitais para organizar grupos e comunicar suas reivindicações àqueles que podem jogar, bem como os que podem jogar, utilizam canais para o controle daqueles que precisam trabalhar.
Todas essas áreas são apenas algumas possibilidades de atuação da ludologia, um interesse de estudo recente, mas que se mostra extremamente pertinente para o momento em que vivemos. Importante ressaltar, nesse contexto, a relevância de uma ludocultura: para Gilles Brougère (assim como para Walter Benjamin), os jogos têm uma cultura específica, ou seja, um conjunto de procedimentos que permitem tornar um jogo possível. É preciso de um repertório lúdico para que o indivíduo comece a entender as dinâmicas que permitem explorar essas potencialidades que buscamos elencar. Por isso, como nos lembra Frans Mäyrä, na ludologia, jogar é um método científico.
Jogar, concluímos, ultrapassa a mera diversão. Além de divertir, pode ensinar, curar e transformar nossas relações sociais. Por isso, recomendamos: jogue, e estude os jogos que joga. Tomás de Aquino já dizia que Deus brinca, e que, para o humano possa se aproximar d’Ele, deve brincar também.
Tadeu Rodrigues Iuama, Doutor em Comunicação pela Unip e mestre em Comunicação e Cultura pela Uniso. Professor da Belas Artes. Membro do grupo de pesquisa MiLu. Contato: [email protected]
Thífani Postali, Doutoranda em Multimeios pela Unicamp e mestra em Comunicação e Cultura pela Uniso. Professora da Uniso no curso de Jogos Digitais. Membro do grupo de pesquisa MiLu. Contato: www.thifanipostali.com